SÓ UM PEDIDO
Bárbara Helena
 
 

O sofá puído olhava pra mim sem piedade. Madona Santa, onde ela arrumou estes móveis? Consertei a garganta, arrisquei um pigarro, a voz não saía.

Madalena olhou pra mim de olhos antigos, a luz do abajur não foi generosa com a marca do tempo.

- E aí, voltou por que?

- Então... - comecei e parei, coisa mais difícil, também ela não ajudava nada, com aquela cara de folhinha, sabe como é? Cara de folhinha, expressão parada, sabe aquelas paisagens? Por aí.

- Desembucha - estava se divertindo, eu juro que estava, a cadela.

Pegou o esmalte na mesinha ao lado do sofá horrendo e começou a pintar as unhas! Pintar as unhas! A gente não se via há vinte anos e ela pintava unhas. E de vermelho vivo, coisa mais brega.

- Assim você me deixa nervosa, pombas.

Tentei inverter o jogo.

Ela me olhou com a mesma expressão de lago envelhecido. Calma e serena. Nem parecia a fera que me expulsou naquele dia de dezembro, pertinho do Natal. Tudo bem, não estava nevando e muito menos frio, mas foi uma perversidade de livro de história infantil e afinal de contas eu não tinha culpa de ser bonita. Ainda sou bonita, pensei maldosa, olhando disfarçadamente o espelho gasto que refletia seu rosto idem.

- Fala logo que não tenho a tarde inteira a sua disposição.

As unhas foram preenchidas com cuidado. Concentrada, arrematava a ponta com o palito embebido em acetona. Minha Nossa Senhora que dificuldade, mãe Olga me ajuda, eu disse que não conseguiria, maldito ebó desgraçado.

Revi diante de mim os búzios rolando e o rosto severo de minha mãe:

- Aqui se faz, aqui se paga. Tem trabalho feio contra você. E minha voz estrangulada respondendo: eu sabia.

- Madalena... - ela levantou os olhos da unha, esperando, era agora ou nunca.

- Eu vim pedir perdão.

Pronto, falei.

Levantou da cadeira devagar, chegou bem perto de mim e me esbofeteou. Juro, me deu uma bofetada. Com cuidado para não estragar as unhas.

- Eu mereço - respondi humilde

Ela me olhou com desprezo

- Que marmota é esta agora?

- Nada, só queria que me perdoasse, errei muito com você, me arrependi.

- Perdoar... - olhou para as unhas vermelhas - Roubou meu homem, meu dinheiro da fantasia e meu lugar na escola. Minha melhor amiga.

Pela primeira vez a folhinha se alterou, o lago plácido ficou tempestuoso.

- Fui nojenta, eu sei. Mas estava apaixonada, juro.

- Pelo meu lugar de destaque, também?

- Fiquei cega, ele me iludiu, depois me abandonou por outra, igualzinho o que aconteceu com você.

Ela sorriu:

- Aqui se faz...

Arrepiei. Eram as palavras da mãe Olga, o ebó, ela tinha razão.

- Por favor, me perdoa! - comecei a chorar, maior humilhação, já viu, não consegui controlar.

- Não - respondeu calma, olhando direto pra mim.

- Por favor, por favor... - me ajoelhei aos seus pés, ela me empurrou. Cai contra o sofá puído, bem achei que tinha jeito maldoso.

Implorei, me debulhei, de nada valeu. A mulher era uma caixa de mágoas.

Saí de lá me arrastando, as palavras de mãe Olga ecoando em mim.

- Este ebó é dos que não se tira. Se ela não perdoar, você nunca mais arruma homem na vida.

Não queria nenhum outro homem. Só o Alfredo de volta, entendeu?

 
 

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