- QUE PIADA SEM GRAÇA!...
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Adriana Vieira Bastos
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- pensou, literalmente boquiaberta, dentro do banheiro, à frente do espelho, ao deparar-se com o sangue jorrando de sua boca, como uma enxurrada que resolve passar sem pedir licença... Assustada, gritou à filha que viesse socorrê-la. E a jovem veio! Ciente da necessidade dos primeiros socorros, entrou no banheiro com uma toalha e gelo nas mãos e disse-lhe - Calma mãe! Não é grave, mas acho melhor irmos ao pronto socorro! Pronto Socorro? Era o que precisava ouvir para "surtar" e entrar totalmente em pânico! Será que chegaria a tempo no hospital ou o sangue todo se esvairia pelo meio do caminho? Estaria sendo exagerada? Não tinha idéia. Mas uma coisa era certa - confrontava-se, pela primeira vez, com o estresse causado pelo efeito do anticoagulante que passara a fazer parte do seu cotidiano, para o resto de sua vida. Com este temor, saiu da casa da prima, numa pacata cidade do interior, rumo ao primeiro pronto socorro que encontrasse pelo caminho... Conforme o carro andava, o temor aumentava. A filha procurava acalmá-la enquanto via o pai, desligado como sempre, lhe proporcionar um "tour fora de hora" pelas ruas da cidade. E demoraram tanto, mas tanto para chegar, que ao estacionarem na frente do hospital já não sabia se o sangue havia acabado ou simplesmente estancado. Desorientada, abriu a porta do carro, levantou-se e percebeu que ainda tinha forças para caminhar. Só não sabia se teria forças para enfrentar as cenas de pastelão da qual sabia ser a atriz principal. Calada, com a boca aberta e cheia de gaze, viu-se obrigada a engolir o gosto do sangue, os risos e os comentários galhofeiros, ditos a meia voz, quando descobriam o motivo que a levara a abandonar o churrasco, os amigos, o dia ensolarado e seguir rumo àquele hospital - tinha mordido a língua! Sim! Todo aquele estardalhaço só porque mordera a língua... Isso que dá falar mal da vida alheia! - brincou o enfermeiro. Será que tem soro antiofídico no pronto socorro? - não resistiu o marido, empolgado pela deixa. O pior é que calada estava, e calada tinha que continuar, para sorte dos engraçadinhos... Nem chorar podia! Um simples ameaça foi o suficiente para o sangue novamente aparecer. A filha, vestibulanda de medicina, apressou-se em lhe informar que não seria interessante tal atitude. A adrenalina dilataria os vasos e o fluxo sangüíneo só iria aumentar. Naquelas alturas, só lhe restou pedir ao médico um calmante, para suportar todo o estresse e a gozação pela qual estava passando. Meia hora depois, ainda com a boca aberta, mas já sob o efeito do remédio, sentiu-se disposta a fazer as pazes com a vida e até considerar que o pastelão vivido poderia ter sido trágico se não fosse cômico ou cômico se não fosse trágico. Desta confusão, só uma coisa realmente ficou difícil de digerir - o convite do amigo para comemorar o desfecho tranqüilo de sua história num restaurante exótico, inaugurado recentemente na cidade. Desta vez, quase foi ele a parar no hospital. Também pudera! Ousara fazer um pedido um tanto quanto temerário para a ocasião - língua ao molho pardo... |