PRECISAMOS CONVERSAR
|
Felipe Tazzo
|
Como eu sei que vai ser o último encontro? Pelo tom de voz. Pela mudança na forma de falar. Pela falta dos apelidos. E logicamente, pelo bom e velho "precisamos conversar". Talvez haja algo mais cruel do que o "precisamos conversar", mas deve ter caído em desuso depois da santa inquisição. A sensação é de tortura sim. Depois que ela me disse ao telefone que "precisamos conversar" eu estou disposto a retratar todas as minhas teorias sobre o universo. Eu confesso, eu não estava certo, eu não sei o que eu estou fazendo, eu deveria ter sido mais carinhoso, o planeta é um disco plano, fica no centro do universo e sim, o rei estava vestido! E agora eu posso ficar olhando para o relógio no canto do monitor do computador só esperando para ver os minutos mudarem lentamente. Tudo porque ela disse que "precisamos conversar". Dá vontade de clicar no relógio e acrescentar algumas horas e acabar logo com isso. Sair correndo no começo da tarde. Se o meu chefe perguntar, eu só vou ali confessar todos os meus pecados, implorar pela minha vida, pedir desculpas por seqüestrar o embaixador americano, delatar todos os meus companheiros de luta armada e o que sobrar de mim, volta no dia seguinte. Se sobrar. Mas não, o tempo não pode andar mais rápido porque eu quero, mas ele anda mais devagar. Alguém lá em cima deve estar achando muito engraçado ver meu estômago dar voltas e nós, sofrer sozinho e quase virar do avesso enquanto coloca marotamente o dedo nas rodas do tempo, fazendo-as esquentar com o atrito e o tempo dilatar. Quantos pensamentos cabem em um minuto... Essa é a maior tortura, esperar pela dor inevitável. Eu sei que a guilhotina vai cair na minha cabeça, eu sei que vai. Só não sei quando. Posso me torturar sozinho, ouvindo cada estalar da madeira, a corda correndo, a lâmina gelada vibrando ao vento, mas eu não posso ver minha morte, então tento adivinhar. E cada gemido da viúva faz meu sangue correr mais rápido pelas veias, tentando adivinhar se é agora ou se é depois. Os últimos momentos serão sempre os piores. Antes da queda da bastilha, e do grito de liberdade, vem o corte do pescoço. Mas o tempo faz-se surdo ao meu apelo e insiste em me arrastar consigo. Só porque "precisamos conversar". |