DOJA II
Eduardo Prearo
 

"Nenhuma realidade física pode crescer indefinidamente sem atingir uma fase de mudança de estado."
- Telhard de Chardin -

"A fuga é a prudência em ação."
- Albert Delvaille -

"Fujo do que me segue e sigo o que me foge."
- Ovídio -

I

Júnior não entra no helicóptero, Doja está demente, Doja é uma homicida. Júnior corre para a floresta, Doja parte de início sem vereda certa e resolve de súbito tranpor o oceano rumo à Índia dos deuses. Mas o combustível nuclear da aeronave acaba, e Doja aterrissa em uma ínsula. Não, não é a Ínsula da Páscoa, mas é uma ínsula que lhe inspira pavor devido à fauna e às ruiínas de povos bárbaros. Se tivesse ficado em seu país, Doja seria criminosa ou então, o que é pior, uma apátrida, carente de cidadania. Mães adotadas desertoras perdem o direito à cidadania, mas o país dos homens de preto a reclamaria, certamente; Doja não é uma judia européia do século passado, o caso Dreyfuss já acabou; Doja é mulher do século vinte e um que guarda muitos segredos. O que faço em um lugar como este?, indaga para si própria euquanto as trevas da noite chegam e o fogo desponta dentre os galhos arrumados em forma piramidal. Enfim, alguém aparece de coisa alguma: um homem de avental branco e calças magentas.

---- Quem é você?

---- É sempre o que me perguntam quando adiciono alguém no orkut, diz o homem que aparenta ter uns vinte e cinco anos de idade, tem os olhos verdes-azulados e quase uns dois metros de altura. E fala, ainda bem, o dialeto de Doja.

---- Internet é coisa do passado, quando os pobres faziam fila para tentar acessa-lá um pouco e ficavam mais felizes. Olha, eu...eu...estou errante, entende? Deixei o meu filho não-consangüíneo. O curumi não quis vir comigo, não quis! O Júnior é teimoso, viu! Ele vai tentar-me esquecer, eu sei. Queria vê-lo. Me ajuda, fulano? Eu devo ser risível, muiiito risível com este meu nariz adunco. Aliás, qual...qual...o seu nome, por favor?

---- Orlando.

---- Sente-se aqui do meu lado. Pretendo dormir no helicóptero. Você é cientista? Ou melhor, você é um daqueles cientistas malucos?

---- Não, auxilio um cientista, apenas. Mas futuramente eu...

---- Ah, esse cientista é aquele do tipo do Einstein, né? (risos).

---- Não, senhorita. Ele está mais para Salvador Dali, isso em termos físicos. Bem, hum...presumo que a senhorita saiba em que ilha está.

---- Muito bem, senhorita, senhorita?. Não, oh, não sei. Na ilha da caveira, Orlando? A gente gosta de sair da realidade, mas isto aqui já é demais. Só falta haver dinossauros.

---- Não, diz Orlando, friamente, calando alguma coisa. ---- Mas seu palpite está quente.

---- Me arruma combustível nuclear, Orlando. Eu...eu...preciso voltar. Quem sabe me torno uma gênia e fico além das leis e de todos aqueles decretos tão burocráticos. Me arruma um cigarro?

---- Sim, é claro; e estes não contém substâncias tóxicas. Fica conosco. Vamos, vou levá-la ao laboratório. Aqui é um paraíso. Acompanhe-me. E calma, viu, pois focinho de porco não é tomada.

II

Os estudos sobre a hominização de um tipo de ser primitivo encontrado na ínsula há trinta anos, estavam bem adiantados. A evolução desse ser diferente do homem atual em muitos aspectos, é passível de ser analisada. O cientista Thompson fez descobertas interessantes. Mas doja não está preocupada com isso, Doja quer ir embora, encontrar-se com Júnior nem que seja por uma última vez. Para quê complexificar tudo, para quê?

---- Sr. Thompson, preciso de combustível nuclear. Sei que o senhor o tem. Por favor, não seja egoísta.

---- Mas fique, senhorita Doja. Preciso mesmo de uma assitente bonita. Orlando não dá conta de tudo. Estes ossos, por exemplo, precisam ser lavados. E a egoísta no fundo é a senhorita. Mais vale estas pesquisas do que essa sua fuga estúpida.

Doja, chateada com a suscetibilidade do cientista, diz-lhe que vai pensar e, fatigada, dirige-se intuitivamente a uma cabine onde há uma cama com lençois supermacios. Dorme e sonha com Júnior sentado em um trono de ametista. Júnior, o pequeno rei. Pela manhã, após o desjejum solitário de ostras, vai até a aeronave e percebe que o tanque está atomizado. O sonho com Júnior foi suavizante, diminuiu um pouco suas preocupações, quase que as aniquilou. Vocês foram piedosos, grita Doja. Obrigado, Orlando, um dia pagarei centavo por centavo. E já no céu, sem na verdade despedir-se de ninguém, parte em direção à Índia dos deuses. Júnior sabe se virar, pensa. Sim, o menino sabe!

 

 

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