TEMPO DE PARTIR E TEMPO DE VOLTAR
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Bárbara Helena
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"Embrace
me Para tudo existe um tempo, diz o Eclesiastes: tempo para nascer e tempo para morrer, tempo para plantar e tempo para arrancar o que foi plantado. Então, chegou minha hora de abandonar os Cigarette Blues. Vinha com esta idéia na cabeça quando fumava calada sob a lua redonda de Igaçaba ou comia poeira nas estradas secas de Minas. Olhando a platéia desinteressada e a fome de Billie que não era minha. Estava cansada de sofrer. Um dia acordei e o mar dentro do peito vazou. Arrumei as coisas, deixei um bilhete para Billie, outro para Marina e Mimi. Eu não faria falta. Era apenas uma companheira envelhecendo. Quando saía na madrugada, depois do show, silenciosamente para não acordar os outros, dei de frente com Billie. Ele olhou a mala e meu coração na boca. Perguntou: -
Está fugindo de nós? Ficou calado um tempo, muito tempo, dava para ouvir os sapos na madrugada. - Por que? Procurei a voz no inferno e respondi: -
Não sei. Acho que preciso de um tempo. -
Tempo? - ele riu. -
Tempo para mim. - É amor? - riu de novo, o dente de ouro brilhou Eu quase respondi é amor sim, amor, desprezado, humilhado, amor esmagado na ponta da sua bota de blueseiro. Mas a desconhecida em mim respondeu seca: -
Que amor... é cansaço mesmo... coisas... - Tudo bem, menina, a vida é sua. Vou sentir sua falta.. Segurou minha cabeça, puxou pra ele e me beijou a testa, cantarolando baixinho: Embrace me... my sweet embraceable you ...embrace me.. my irreplaceable you... Eu cantei junto baixinho, mar vazando no peito, agüentei firme. Depois peguei a mala, sai sem olhar pra trás, tropeçando no coração. Seis meses, trinta garrafas de tequila e muitos maços depois, naufraguei. Tinha cantado em bandas importantes, amantes que me diziam mentiras alisaram meus pelos e ensinaram praias. Mas o mar nunca secou. Voltei numa noite sem lua. Entrei no trailer, Mimi me deu um abraço, não disse nada: abençoada Mimi! ela sabia o que era voltar. Marina me ofereceu o maço. Tirei um cigarro, o peito apertado. Uma outra vocalista, magrela e morena, sorriu pra mim desconfiada. Perguntei: -
E Billie? -
Está na casa, testando o som. Você vem com a gente? O Mejicano
voltou. -
Legal - respondi - Tem um baixista novo, Paredes... bonitão... - Mimi tentava me alegrar Eu repeti: - Legal. Desfiz a mala, guardei pelos cantos, queria me sentir de novo em casa. Depois saímos as quatro na noite estrelada. Quando cheguei no palco e vi Billie o mar virou tempestade. Ele sorriu do passado para mim e começou a cantar, dedilhando a guitarra: Embrace me... my sweet embraceable you... embrace me... my irreplaceable you... Eu continuei com voz trêmula: Just to look at you... my heart grows tipsy in me... you and you alone... bring out the gypsy in me... Só você. Os poucos fregueses que chegavam aplaudiram. O olhar de Billie, o meu Billie queimava o mar no peito. E cantamos todos, rasgando a noite: I love all the many charms about you.... Marina com sua voz inesquecível de Billie cabocla: Come to me... come to me do ... my sweet embraceable youuuu.... Venha para mim. Era linda, loura, inatingível sua voz de morrer. Mas eu não tinha ciúme. Um sol nascera, amarelo e constante, sobre o mar. |