A
verdade é que não era para ser o último encontro,
mas as circunstâncias impeliam ao desfecho planejado a semanas.
Era noite de Domingo de um verão marcado por descobertas que minaram
toda uma história construída a duras penas e que culminariam,
ali, naquele quarto, na total perda de um controle tão elogiado
por meus pares.
A verdade é que ainda existia amor no meu olhar ao vê-la
desfilar sua extraordinária beleza de um lado para o outro naquele
quarto apertado e quente, mas era inegável também, e eu
sentia corroer meu estômago como se tivesse bebido um copo de ácido,
que o ódio em meu peito suplantava todos os outros sentimentos
difusos que vez ou outra me davam a sensação de um desmaio
iminente.
A verdade é que não era para ser daquela maneira, mas a
vontade de beijar, uma última vez, aquela boca maldita me arranhava
a garganta de tanta sede.
-
Me beija?
-
Claro amor - Disse sorrindo, cínica, dissimulada.
Aquele beijo já fora melhor. Agora eu entendo o que é o
desamor. Minha cabeça rodava, e naquele instante eu percebi que
a sede que eu sentia não tinha nada haver com a vontade de estar
envolto naqueles braços novamente. A sede era visceral, irascível,
mas era sede de sangue, aquele gosto ferroso. E eu mordi, mordi forte.
-
Porra tá maluco? Você me machucou, caralho...
-
Doeu?
-
Claro idiota. Pergunta besta!
-
Cala a boca porra! - Esbravejei extrapolando a raiva que me sufocava -
Para de gritar, para de falar, para de chorar, merda. Traidora dos infernos,
vaca vadia...
-
Traidora? Eu? Você não sabe o que está falando. Não
me acuse sem provas... Porra você me machucou, ta doendo...
-
Para de falar vagabunda, sua voz me enoja. Espera aí, e fica quieta
porra!
Fui ao carro, meu sangue fervia, abri o porta-malas e tirei o pacote fétido
pingando sangue, junto dele um envelope, as provas que ela supunha que
eu não tivesse. Joguei o pacote no chão da sala, as gotas
de sangue sujaram minha calça, peguei firme na gola da jaqueta
e fui arrastando aquele monte de bosta até o quarto. O berro de
horror dela eu já antevia, mas não imaginava que seria tão
estridente.
-
Traia ou não traia?
-
Meu Deus, que horror! Tira isso daqui...
-
Traia ou não traia, porra? Responde - As veias do meu pescoço
pareciam querer estourar.
-
Não, nunca... - Ela chorava um choro repulsivo, antes compulsivo,
de horror, de medo. A cena era realmente aterradora e minha frieza era,
igualmente, apavorante.
Com a mão esquerda joguei o envelope em seu colo sujo do sangue
que pendia de sua boca ferida e com a direita saquei a arma que de tão
pesada fez minha mão vacilar por um instante.
-
O que é isso? Fotos?
-
Traia ou não traia? - As mãos dela tremiam e deixavam, uma
a uma, as fotos caírem no chão.
-
Foi uma vez só... Eu te amo!
-
Mentira, mentira, mentira. Será possível que dessa sua boca
imunda só sai mentira?
A verdade é que aquela arma não devia estar ali, mas estava,
e era irrefutável a vontade que eu tinha de apertar aquele gatilho
e calar aquele poço de mentiras que eu amava. E eu apertei, uma,
duas, três vezes, não sei se os disparos atingiram o mesmo
lugar, mas eu mirei no peito, por que era no peito que batia o coração
traidor em que eu tentei arrotear, sem sucesso, um amor puro e cheio de
vida.
A verdade é que por um instante eu pensei em estourar meus próprios
miolos diante daquele mar de sangue que se formava à minha frente,
mas as sirenes lá fora já berravam a minha espera, eu mesmo
chamara a policia pra mim, por que me matar depois daquele arroubo de
coragem que me invadira naquele dia seria a prova cabal da covardia que
sempre me acompanhou durante toda a minha vida.
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