FALSAS VERDADES
Alexandre Ferreira
 
 

A verdade é que não era para ser o último encontro, mas as circunstâncias impeliam ao desfecho planejado a semanas. Era noite de Domingo de um verão marcado por descobertas que minaram toda uma história construída a duras penas e que culminariam, ali, naquele quarto, na total perda de um controle tão elogiado por meus pares.

A verdade é que ainda existia amor no meu olhar ao vê-la desfilar sua extraordinária beleza de um lado para o outro naquele quarto apertado e quente, mas era inegável também, e eu sentia corroer meu estômago como se tivesse bebido um copo de ácido, que o ódio em meu peito suplantava todos os outros sentimentos difusos que vez ou outra me davam a sensação de um desmaio iminente.

A verdade é que não era para ser daquela maneira, mas a vontade de beijar, uma última vez, aquela boca maldita me arranhava a garganta de tanta sede.

- Me beija?

- Claro amor - Disse sorrindo, cínica, dissimulada.

Aquele beijo já fora melhor. Agora eu entendo o que é o desamor. Minha cabeça rodava, e naquele instante eu percebi que a sede que eu sentia não tinha nada haver com a vontade de estar envolto naqueles braços novamente. A sede era visceral, irascível, mas era sede de sangue, aquele gosto ferroso. E eu mordi, mordi forte.

- Porra tá maluco? Você me machucou, caralho...

- Doeu?

- Claro idiota. Pergunta besta!

- Cala a boca porra! - Esbravejei extrapolando a raiva que me sufocava - Para de gritar, para de falar, para de chorar, merda. Traidora dos infernos, vaca vadia...

- Traidora? Eu? Você não sabe o que está falando. Não me acuse sem provas... Porra você me machucou, ta doendo...

- Para de falar vagabunda, sua voz me enoja. Espera aí, e fica quieta porra!

Fui ao carro, meu sangue fervia, abri o porta-malas e tirei o pacote fétido pingando sangue, junto dele um envelope, as provas que ela supunha que eu não tivesse. Joguei o pacote no chão da sala, as gotas de sangue sujaram minha calça, peguei firme na gola da jaqueta e fui arrastando aquele monte de bosta até o quarto. O berro de horror dela eu já antevia, mas não imaginava que seria tão estridente.

- Traia ou não traia?

- Meu Deus, que horror! Tira isso daqui...

- Traia ou não traia, porra? Responde - As veias do meu pescoço pareciam querer estourar.

- Não, nunca... - Ela chorava um choro repulsivo, antes compulsivo, de horror, de medo. A cena era realmente aterradora e minha frieza era, igualmente, apavorante.

Com a mão esquerda joguei o envelope em seu colo sujo do sangue que pendia de sua boca ferida e com a direita saquei a arma que de tão pesada fez minha mão vacilar por um instante.

- O que é isso? Fotos?

- Traia ou não traia? - As mãos dela tremiam e deixavam, uma a uma, as fotos caírem no chão.

- Foi uma vez só... Eu te amo!

- Mentira, mentira, mentira. Será possível que dessa sua boca imunda só sai mentira?

A verdade é que aquela arma não devia estar ali, mas estava, e era irrefutável a vontade que eu tinha de apertar aquele gatilho e calar aquele poço de mentiras que eu amava. E eu apertei, uma, duas, três vezes, não sei se os disparos atingiram o mesmo lugar, mas eu mirei no peito, por que era no peito que batia o coração traidor em que eu tentei arrotear, sem sucesso, um amor puro e cheio de vida.

A verdade é que por um instante eu pensei em estourar meus próprios miolos diante daquele mar de sangue que se formava à minha frente, mas as sirenes lá fora já berravam a minha espera, eu mesmo chamara a policia pra mim, por que me matar depois daquele arroubo de coragem que me invadira naquele dia seria a prova cabal da covardia que sempre me acompanhou durante toda a minha vida.

 
 

fale com o autor