PIETÁ...
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Leila de Barros
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Acordei assim toda emaranhada com ela. Não era uma briga e nem um colóquio amoroso. Ela me instigava, me seduzia e me induzia ao fatalismo, queria me usar ou que eu fizesse uso dela. Não era um contexto erótico. Era uma prosa telepática e ao mesmo tempo, um poema reverso que me levava a permanecer horas de cenho franzido, desejando permanecer sem querença e sem intentos. Já não sabia identificar sem um par de lentes, nossas personalidades difusas. Estava me sentindo como uma roupa ao relento, faltava-me a alma flutuante. Uma embarcação noturna, toda embandeirada e iluminada, navegando rio acima. Sempre fui assim, uma obra com pinceladas impressionistas e ela insistia na ausência de cores. Tirava-me o batom sem ao menos me beijar. Não havia fúria, somente alguns delírios e a tentativa constante por parte dela, de se impor sobre meus desejos incorpóreos e necessitados de aspiração própria. Meu peito arfava de noite e de dia, em uma busca inefável por ares respiráveis e inodoros. Ela impregnava de odores e perfumes meus compartimentos e aposentos e me hipnotizava como alguém que aspira sem saber, o hálito dos jasmins-da-noite. Misturavam-se nossas roupas nos armários, sem cabides e sem ordem, as mangas atadas às saias, as calças atadas às blusas. Sentia-me presa a ela, magnetizada por suas artimanhas e teias. Um relacionamento abusivo e abusado. Não havia medidas, somente sua dominação e suas investidas em minhas remotas esperanças. Esperanças que desejava quarar nos varais mundanos, pendurar em árvores e soltar feito balões coloridos e despretensiosos. Uma prisão temporária e indefinida, assim era sua presença danosa. Nessa manhã insofismável, reuni seus pertences, coloquei em uma maleta, percebendo que a vilã famigerada, quase nada tinha de si mesma. Não possuía em seus bens intrínsecos, sequer uma vida própria. Era assim um espectro sem corpo. Abri as janelas e gritei à brisa oceânica: - "Piedade!" Desejei fortemente que ela se fosse para sempre e para um local de infinita remissão. Libertei-a e ela me deu uma trégua. A simbiose findou-se. Não era mais possível conviver de tão perto e tão intimamente com a desesperança contínua... Abri as cortinas e vislumbrei o mar, desejando caminhar sem pressa sobre a areia ainda fria... |