PIEDADE: UMA ESTÓRIA DE AMOR
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Kátia Rodrigues
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Começo com a tentativa de eliminar. De jogar fora, definitivamente. Tirar da alma, do corpo o gosto, da boca o cheiro. Veneno. Depois de tudo que foi vivido, torna-se impossível existir e não desistir. Chega. Saí de mim. Não quero mais ocupar-me do que jaz morto. Enterro os cacos, os restos, sobras que de tão velhas se acabaram. Trapos. Desisto, ao alcançar seus desenhos, novos. Velhas imagens, desde sempre percorridas, agora lançadas fora, concretizadas, escorregadias por entre papéis disponíveis, entre grafites, canetas. Tintas. Rabiscos que traçaste, talvez pensando em mim, em nós. Talvez em vocês, que hoje são reais. Então eu deixo. Deixo a nau, enquanto há tempo. Abandono músicas, restos quebrados de nós que ficaram pra trás. A vida lá fora me espera. No céu ainda lua, estrelas. E eu? Cansei de estar sozinha. Na solidão que me embala, e gosto, já existe espaço para abraços, beijos, cheiros no cangote, chamego. No vazio que permiti, você criasse, comecei a sonhar um novo homem, mais novo, leve, com menos angústias e medos. Com vontades, desejos e capacidade de correr riscos. Viver para morrer em paz, diferente da tua falsa vida morta, ou morte em vida anunciada. Impossível renunciar a sonhos, resistir em sorrir com vontade, acordar com milhares de novas idéias e dormir feliz por simplesmente tentar realizá-las. Você, meu projeto inacabado, deu errado por não ter se dado. Ou deu-se na hora errada. Ou não deu-se e eu me dei a mim. Será? Um dia saberei. Talvez? Não importa, não me importo, não te importas. Nos espaços da tua vida onde eu andava ficaram cinzas sombras, que bastaram para construirdes uma vida verdadeira. Seja feliz. Vá em paz. Descanse em colo, pernas e braços que não são mais os meus, que já fui tua. Hoje braços abertos, os olhos voltados para um horizonte completamente turvo, me dão certeza de estar de pé, quando sinto as solas tocando o chão, o vento soltando os cabelos. Sei que posso. Despeço-me de ti, pra nunca mais. Deixo-te tanto que já foi dado, que nada dou agora; simplesmente me presenteio com a misericórdia! Vai mulher, vive tua vida, luta tua guerra santa, e não esqueças, somente de manter seu coração inquieto, em brasas, aos pulos, pois é disso que precisas para sentir-te outra vez viva e livre, são as últimas palavras que me digo antes de descer sobre ti um punhado de terra morta. |
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