QUANDO ALGUÉM TE PEDE GRANA
EXTRAÍDO DO FABULOSO MANUAL DE PROCEDIMENTOS DE CONVÍVIO SOCIAL
Felipe Tazzo
 

Quando alguém vem te pedir uma grana emprestada, o assunto acaba bem rápido. É triste. Você não sabe nem o que fazer com as mãos ou com os olhos depois que o pedido é negado. Mas esse não é o maior dos seus problemas neste momento. Vejamos:

Primeiro ele te chega com um sorriso no rosto, falando de coisas bem cotidianas para as quais obviamente os dois já sabem as respostas. "E a Carol, como está?", "Poxa, bacana essa camisa, onde você comprou". Daria até para espremer uma piadinha, para relembrar os tempos de intimidade. "Onde você comprou essa camisa, tinha pra homem?". Hahahaha, risadinhas falsas e aí o assunto muda um pouco, para coisas um pouco mais práticas. Algo como aquele encontro, aquele jantar, aquele bar bacana. Ou ainda, o carro, a casa a família. Essa parte é bastante conhecida em diplomacia internacional como preparar o terreno. Passando a vaselina antes de meter tudo para dentro. E você lá, sossegado, sabendo pra que lado a coisa toda vai, mas só esperando a bomba despencar. Oras, ele vai entrar no assunto cedo ou tarde. Ele olha em volta, de repente pega uma revista, lê um título de anúncio ou matéria e olha pra você nos olhos. Finalmente. Aí começa. E sempre começa com um "então". Consta no glossário, página 28: "então - conjunção para orações coordenadas. Utilizado isoladamente quer dizer que o assunto principal será abordado".

E o pedido sempre começa com "então". Aí o sujeito tem duas opções. Ou ele contextualiza a situação de miséria total (sabe como é, a operação da minha sogra, o carro, a escola das crianças) ou ele é mais discreto com a novela mexicana e vai direto ao assunto. Sem choradeira, sem lenga lenga, sem depositar nos outros as mazelas de sua própria inapetência financeira. Confesso que a primeira me parece mais digna e honrada, não que haja um mínimo de dignidade e honra numa situação como essa. Numa situação como essa, dos males, o menor. Não é muito menor, mas qualquer ajuda vale.

Feito o pedido a bola está no seu campo. Você definitivamente não precisava esperar até esse ponto para tomar essa decisão. Sua decisão foi tomada quando ele te ligou e disse que precisava sentar em algum lugar para conversar com tranqüilidade. Mas você ouviu o discurso até aqui. Mesmo que tenha tido o azar de pegar a versão mexicana estendida, em que o mundo desaba nas costas dos infortunados seres de nomes compostos.

- Oh, Otávio Augusto, eu não posso me casar com você porque na verdade sou sua meia irmã gêmea. Fomos separados no nascimento!

- Mas Carla Cristina, eu te amo tanto!

E chegando até esse ponto de ter deixado aquele seu companheiro de manguaça na faculdade, irmão de colas, ombro para pés-na-bunda e zagueiro do seu time de futebol ter desperdiçado todo esse latim, é hora de lhe dizer sim ou não. Se você disser sim, logicamente, esse sim vem acompanhado de toda uma infra-estrutura alegórica. Uma comitiva de provas de amizade. Você vai se utilizar de "mas é claro", "não precisava nem ter pedido", "está aqui mesmo" e o fatídico e destrutivo "pode me pagar quando você puder", às vezes travestido de "não se preocupe com nada". Aí, meu irmão, foi que a corda estando ao redor do seu pescoço, você acabou de pular do banquinho. Já ouviu a famosa expressão "empreste dinheiro a um amigo e perca ambos"? Pois é, ali você acabou de perder ambos. Já era!

Ainda existe a opção do não. Mas aí o samba enredo tem que ser mais complexo. Nada de "alegria do meu brasil" nem "a pujança dessa terra é o seu povo", que são temas que levantariam a moral da Grêmio Recreativo Unidos de Mococa. Não senhor, o seu samba vai ter que andar na onda do Carlos Gardel. Tangos e tragédias mesmo! É lógico que o famoso "não tenho" não vai colar. Teu carrão, finalmente pago, está reluzindo sob o sol ali na esquina.

Não cola, mas você não tem escolha. Vai simplesmente dizer para aquele seu chegado íntimo que você não está a fim de emprestar? Não, vai ter que convencê-lo que você não tem mesmo. Pelo menos não em mãos. Aí vale a criatividade. Compre um terreno no céu. Invista na empresa de um amigo. Compre ações. Fundos de renda fixa com prazos de carência de 180 dias são uma boa pedida. Use a criatividade. Conquanto que você não meta a sogra no hospital, que é uma desculpa um tanto caduca, tudo vale. Até ser abduzido por alienígenas. Aliás, abdução por alienígenas é uma boa, porque seu amigo vai sinceramente duvidar da sua sanidade e provavelmente nunca mais vai te pedir nem pra regar as plantas enquanto ele, a patroa e os pimpolhos descem para o Guarujá com a tua grana.

Desfiando as contas do seu terço financeiro, você vai, a muito custo, manter a amizade e a grana. É a solução mais comum.

Mas ainda existe uma terceira opção. A saída do crescimento espiritual.

No momento do "poderia me emprestar", você argumenta que sim, que poderia e sim, tem a grana, mas não vai fazê-lo porque isso só dificultaria mais as coisas para ele. Você estaria sendo um irresponsável de não permitir que seu amigo enfrente com a cabeça erguida suas dificuldades e aprenda a crescer como pessoa. Não que você não entenda e não sofra junto, é que a dó e a piedade só fazem é manter as pessoas como elas são. E ainda fecha a lição de moral com um clássico "prefiro ensinar a pescar do que dar o peixe".

Neste momento, sem hipocrisia nenhuma você vai deixar muito claro para o seu amigo que ele é um asno e seu dinheiro vale muito mais para você do que aquela custosa amizade. Talvez haja aí um rompante de fúria e algumas portas batendo, bem como uma arrancada aguda de pneus. Você acaba de perder um amigo para manter o seu dinheiro intacto.

Mas pelo menos você não foi um hipócrita!

 
 

fale com o autor