DOJA
Eduardo Prearo
 

Moro no alto de um morro de onde dá pra ver a cidade. De noite, é chão e teto de estrelas. Eu e Doja, minha mãe adotiva, vivemos de subvenção irrisória, e vez ou outra passamos fome. Mas agora fiz uma horta; resolvi roubar sementes, e dentro em breve teremos couve-roxa. Tratam-me de maneira estranha na cidade, mas Doja me disse que é impressão, que sou um ignorante. Tenho medo da suscetibilidade das pessoas e quando me sinto um monstrinho criticado, vou para a floresta, que em uma abscissa dá menos de um quilômetro, contando a partir da minha casa. Foi no início do verão passado que encontrei uma mina de ametista e lembro que logo que ia voltando para contar a notícia à Doja, percebi que havia visita. Eram os homens de preto, averiguando tudo, fazendo Doja chorar sem parar.

--- My name is Mark, disse-me um deles (eram dois), tergiversando rumo à aeronave. Creio que desde esse verão, nunca mais fui o mesmo, não sei se por causa das ametistas, que pensei em vender na cidade, ou se por causa dos homens de preto.

--- Quando eles vierem de novo, Júnior, fuja para a floresta, está me ouvindo, fuja, fuja!, grita sempre Doja.

--- Quanto você deve a eles, Doja? Há um meio...

--- Estão se referindo às sementes sub-reptícias, meninos? Hein?

--- Meninos, Doja?, eu sou somente um.

--- Era somente um. O que conheço é um santinho, não faz mal a uma formiga e...

Doja pára de falar, pois a terra treme; após o pequeno tremor, ela continua:

--- Vieram fazer uma reclamação, gente lá da cidade. O senhor acha digno ficar furtando, brigando com todo mundo? Sabe do que o julgam, hein? De Hitler, e de coisas piores. Estão dizendo que você será um malandro sem-vergonha. Eles não vão perdoar nunca, Júnior, querem justiça. Pessoas suscetíveis querem justiça a todo segundo ou então planejam punições ocultas.

--- Viu como não era impressão, Doja?

--- Também!?

--- De próxima vez que eu for lá embaixo será uma reide.

--- Aprenda, menino, que no final ninguém critica ninguém gratuitamente. A maioria neste país é cristâ. Não roubarás. Se você continuar agindo assim, cortarão a subvenção, terá de escolher outra mãe, e eu irei pra cadeia.

--- Doja, estou ounvido um helicóptero. Quem são esses homens, Doja, quem são?

--- São da polícia secreta o qual pertenci. Pensam que guardo muitos segredos. Fuja imediatamente.

Então saio correndo em direção à floresta, pensando em ser o menino-lobo. Ouço tiros, mataram-na, mataram Doja, não faz sentido. Mixórdia. Corro chorando, sou um incauto, deveria ter ficado, ninguém confia em mim, sou um nojo. De súbito, avisto o helicóptero, que vem descendo em minha direção. Dentro dele avisto Doja, sozinha. Ela...ela exterminou os homens de preto. Não matarás.

--- Júnior, suba, filho. Vamos sair deste país!

 

 

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