MARIA DA PIEDADE
Alice de Sousa Silva

Ela deixou a filha no hospital ao nascer e foi embora, carregando dentro de si a dor da separação e do remorso. Sofreu, sorriu, chorou ao longo da vida.

Trinta anos depois ela viu na TV, uma outra Maria da Piedade, dando uma entrevista, chorou ao lembrar-se de ter abandonado a filha porque ela tinha a mesma doença da moça bonita que via agora, SÍNDROME DE DOWN. Ficou a pensar como ela se chamaria, se tinha sobrevivido, por onde andaria. Naquele tempo não sabia nada sobre a doença, simplesmente não aceitou a criança porque ela era feia e não parecia com ninguém da família, não era sua filha. Como pôde fazer aquilo? Hoje ela poderia muito bem ser aquela moça bonita e inteligente que via na televisão. Mas ela não merecia, era uma velha sem ninguém, odiava o seu nome e a mãe que o escolhera. Olhava por entre lágrimas a Maria da TV, ouvia e não queria acreditar, ela dizia que foi abandonada ao nascer,as emfermeiras deram-lhe o nome da mãe ainda no hospital, adorava o nome,e queria dizer isso pessoalmente pois já a havia localizado, quando a encontrasse a perdoaria, pois compreendia a razão do abandono, a falta de informação da época. Maria foi para o quarto chorar, ao envelhecer as lembranças a machucavam com muito mais força, a dor era mais intensa e o sono já não lhe dava paz. Se pudesse voltar no tempo, faria diferente, mas o tempo não volta e o que foi feito não tinha concerto. A campainha tocou, alguém anunciou visita, ela não queria receber ninguém. É uma moça que se chama Maria da Piedade e quer falar com a senhora. Ela veio atender arrastando culpa e remorso.Sou sua filha, disse a moça que vira na TV, agora em pé diante de si, com um sorriso e uma lágrima. A Senhora é minha mãe. Não havia mais distância, nem palavras presas, as emoções viraram um rio dentro da casa, ambas as partes deixaram correr livres os sentimentos que nutriam uma pela outra desde os primeiros dias de vida de Maria da Piedade filha e Maria da Piedade mãe.

Só o tempo pode destruir ou reconstruir o que o passado fez.

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