MILDRED,
TENHA PIEDADE!
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Alberto
Carmo
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Numa agradável manhã de sábado, uma voz máscula ecoa na lavanderia: - Mildred, cheerleader do meu Timão, cadê minha camisa do Coringão com autógrafo do Biro-Biro? Hoje tem churrasco e quero me exibir diante da rapaziada. - Aquele trapo puído e indecente, carurú do meu tabuleiro? Já reencarnou como pano de chão e agora repousa lá no setor de recicláveis do lixão! - Mas, porém, todavia, outrossim? Não acredito no que ouvi. Please, repeat, ditadora da minha republiqueta! - É isso mesmo que ingressou no teu martelo, na tua bigorna e, por que não dizer?, no teu estribo também, amoreco. Aquilo que você chama de camisa estava se disminingüindo feito marshmellow em churrasco de americano. Estava tão gasta e fininha que daria até pra embrulhar rocambole no micro-ondas. Já era, escafedeu-se! - Mais non, ma madrecita! Avisem os dinossauros e os Dragões da Fiel! Nova catástrofe se aproxima! Haverá gemidos e ranger de dentes! Ó Deus, tende piedade de nós, alvinegros do Parque São Jorge, pelo menos até a Libertadores! - Pára de chorar lágrimas de crocodilo, seu demodê! Eu te comprei uma novinha em folha, com logotipo e tudo. E é de tecido super moderno. Não desbota, nem perde o vinco. - Mas nem se você enterrar uma perereca na encruzilhada do nosso quarto eu uso um treco desses, minha cartola desalmada! - Releve e deixe de onda, meu surfista favorito! Trate de ir se acostumando com a camisa nova e... - Jamais! Isto é coisa de viad. - Stop, meu Chê! Olhe o linguajar politicamente incorreto. - Então é coisa de boiol... - Pênalti, meu James Dean! Você pode fazer melhor. - Caramba! Então é coisa de xibun... - Cartão vermelho, meu líbero avançado! Dura lex sed lex, no cabelo só Gumex! Você abusou. - Tá bom, tá bom! Então digamos que essa camisa é coisa de quem optou por outra postura que não o tradicional, básico e, alías, prazeroso papai e mamãe e variações sobre o tema. Fica correto assim, ouvidora da nossa união? - Quando passar a crise me avise. Enquanto isso, vou estender sua camisa nova no quintal pra tirar o cheiro de loja. - A propósito, Mildred, toda vez que você fica estendendo roupa no varal com esse vestidinho curto, que sobe estratégica e milimetricamente quando você ergue esses braços aconchegantes pra prender o pregador, me dá uma voglia... - Já passou a manhinha, é? Você não tem que preparar o churrasco e impressionar a rapaziada? Pois então, vá lá curtir seu impressionismo, que hoje você não verá meus encantos nem da geral, quanto mais de arquibancada. Estou de mal! Bati perna uma tarde inteira no Google pra te comprar essa camisa via delivery, e me rejeitou injusta, cruel e, diga-se de passagem, não impunemente. - Bombonzinho, eu nem ligava muito pra aquela camisa velha. A letra do Biro era terrível mesmo. Imagina se eu, assíduo aluno da Escola de Caligrafia do professor De Franco nos meus tempos de Científico, ia curtir aquele autógrafo. Vem cá pro teu maridinho politicamente correto, vem! Faltam umas duas horas até a turma chegar pro churrasco. E você sabe, mon amour, como diriam Lennon e aquele palpiteiro do Paul: time is love, ma belle! -Ah, amore, não sei... Vai que a turma chegue bem na nossa apoteose... Não ia ser politicamente correto a gente fingir de novo que não escutou a campainha, que nem naquele dia em que eles ficaram te gritando lá da rua: Da outra vez, nóis não vem mais! - Fica tranqüila, dona das minhas virtudes capitais. Eu ligo o timer do micro-ondas. - Deixa que eu ligo, meu chiclete de tutti-frutti. Toda vez que você mexe no micro-ondas ele fica agindo como se o tempo fosse relativo pra ele também, e o arroz acaba virando pipoca. - Você manda, croupier do meu cassino! Vamos fazer umas coisas politicamente incorretíssimas lá no nosso quarto? Um tour de force, minha mademoiselle! - Pronto, meu Hooligan! Já ajustei o timer. Dei uns quinze minutos de lambujem pra nós. Just in case... http://www.anjoscaidos.jor.br/serieanjos/mildred/capa.htm - Ah, Mildred, infratora de todas as minhas Constituições, é por essas e outras... |