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MINICONTOS DE NATAL
MINI-CONTOS DE NATAL 2005
continhos de natal dos anjos de prata

NATAL SEM FOME
Bárbara Helena

Bateu ponto no depósito, experimentou o peso, suspirou desanimado. Se ao menos tivesse dado tempo de tomar café... Foram várias conduções até o centro. Só beijou as crianças, a mulher, recebeu benção trêmula da mãe.

Queimação no estômago - precisava largar a cachaça!... Mas há sempre alguém pra pagar, esperando companhia. Boca seca, tinha que segurar a sede da branquinha, onde já se viu Papai Noel pinguço?. Criança percebe, foi despedido de uma loja, vergonha de lembrar!.... Pior foi sentir o olhar maldoso do garoto.

Quem disse que toda infância é inocente? Preferia os que trampam no sinal, sentam pra conversar.

Meus filhos não vão sair de casa. Nem que precise agüentar mil quilos, nem que o calor esfole a pele e bolhas arrebentem na barba colada. Os pés doem, rosto coça... Pegar ônibus, não dava. Ia ser perseguido, despido dos presentes.

A orientação era seguir por vielas até a loja principal. O ar faltava, sol inclemente, nem uma brisa. Embicou pela ruazinha. A sombra dos edifícios trouxe alívio. Colocou o peso no chão para esfregar o ombro.

Do nada saem dois homens:

- Passa o saco...

Era só o que faltava!.. Mas de jeito nenhum! Agarrou-se aos presentes - meninos com fome, mulher desnutrida...

Tres tiros. No peito.

Papai Noel cai em câmera lenta, o gorro voa, se esborracha na poça. Gritos ao longe... "não adiantou, mãe... desculpa, filhos..."

Algumas luzes se acendem ao redor dele... piscando... lindas! Será o céu? São as lojas se abrindo para um novo Natal.

PRESENTE ESPECIAL
Argento

Era uma família pobre da zona oeste do Rio de Janeiro. O pai saiu de casa no início do ano em busca de emprego e não voltou mais. A mãe se virava para sustentar os três filhos. João tinha oito e passava os dias num semáforo controlando limões para arranjar dinheiro. Zézinho, tinha cinco e acompanhava o irmão na empreitada. Dudu, tinha três anos e ficava numa creche comunitária. A mãe perambulava pelas residências fazendo faxina. Era véspera de Natal e não tinha dinheiro para o presente dos meninos. Triste, reuniu a prole e deu-lhes a notícia. João ficou revoltado, Zézinho chorou, mas Dudu, para espanto soltou a seguinte pérola:

- Não tem problema não Mãe! Eu fiz um pedido pro Papai Noel e tenho certeza de que ele irá me atender!

Todos ficaram atônitos. Afinal, era uma raridade no meio daquele sofrimento todo um menino que ainda alimentava sonhos.

O grande dia chegou. Todos reuniram-se à mesa para agradecer à Deus pela comida naquela noite especial. O desânimo tomava conta de todos, menos do pequenino Dudu.

Foram dormir as dez. Após horas de silêncio a campainha toca. Dudu acorda eufórico:

- É Papai Noel!

A mãe abre a porta. É seu marido com uma lembrança para cada filho.

- Desculpem-me pelo presente, foi difícil conseguir dinheiro.

Dudu interrompe o pai e diz:

- Não falei que Pai Noel Existe? Recebi o meu presente especial de NATAL! Foi a volta de Papai pra casa!

AS BORBOLETAS NATALINAS
Clarice Vilac

Estava já animada a festa na véspera de Natal, parentes conversando, comendo, bebendo.

Perto da meia-noite, toca a campainha e chega o tio Cássio M'Boy, com um grande embrulho quadrado.

Camisa estampada com vermelho e azul, grandes hibiscos; cabelos e bigode brancos, colares e sorrisão em seu rosto franco. Pintor primitivista, 'caipira' como gostava de dizer, trouxe seu presente para o irmão banqueiro: um grande quadro a óleo, retratando sua interpretação de como José, Maria e o Menino Jesus conseguiram escapar dos guardas de Herodes: uma grande revoada de borboletas multicoloridas formou uma parede que os encobriu, escondidos numa gruta, e os guardas passaram sem os ver.

Cássio tinha ali uma admiradora incondicionalmente encantada, sua sobrinha-neta, menina sonhadora e imaginativa, que sempre ficava junto com ele, se maravilhando com suas conversas, caretas e causos engraçados, completamente diferentes de tudo o que costumava ver.

Muitos e muitos anos depois, ela atinou com o verdadeiro sentido do presente de seu tio Cássio naquele Natal...

Precisamos nos transformar em seres multicoloridos, leves, delicados, deixar de rastejar na matéria... e assim preservar a dedicação de José e Maria, o amor que o Menino Jesus trouxe para germinar...

Borboletas esvoaçantes, a proteger os mais altos ideais humanos, a despistar a milícia equivocada, gananciosa, que busca obtusa o poder material...

Pessoas-borboletas, é preciso polinizar este século XXI...

Germinação, Natal, Renovação!

CHURRASCO DE NATAL
Edison Veiga Junior

Noto que no Natal, Neto duvida dos dedos de Deus digitando a vida e dedica a ele uma ode invertida pelo avesso das bolas das árvores da noite enfeitada:

"Papai Noel, em tempos de Ibama e essa ladainha de direitos humanos dos animais, aposentou compulsoriamente as renas. Agora andeja pelos telhados, uns quebrados e todos em mau estado. Entre tropeços, garimpa orifícios de onde a fumacinha anuncia chaminés.

Jamais espia. Corre contra o tempo porque seu sonho é terminar o trabalho logo, para um dia passar o Natal com a família.

Quase escorrega:

- Malditas telhas! - coça a barba branca, que já faz tempo não é postiça.

Entra.

De saco cheio, descobre na prática que no Brasil não há lareiras. Só braseiros onde a carne arde. Ai!"

SORRISO ILUMINADO
Josete Maria Vichineski

A manhã estava radiante. Minha mãe armou o guarda-sol. Eu, com quatro anos, na época, mal conseguia estender a enorme toalha na areia. Papai Noel me sorria na estampa.

___ Olha o sorvete!

___ Melancia fresquinha!

___ Suco geladinho. Leva, freguesa!

Era a concorrência dos vendedores, com suas barracas coloridas. Banhistas, por todo o lado, circulavam com suas mini peças, das mais variadas cores. Adultos e crianças degustavam as gostosuras de verão.

O mar parecia imenso e se unia ao céu.A luz do sol se refletia no espelho das águas. Era a primeira vez que eu via algo tão mágico. Seria ali o mundo do Papai Noel?

Ao longe, vi um surfista com uma prancha vermelha e branca e calção vermelho.

___ Mãe, olhe o Papai Noel surfando!

Meus primos me chamaram. Alegres, carregavam seus presentes de Natal: baldinhos de praia e umas colheres.

___ Vamos brincar de construir castelo na areia? Vai ser a casa do Papai Noel.

Eles eram maiores do que eu e já conheciam a praia. Eu imaginava que o Papai Noel que estava surfando iria morar no castelo que iríamos construir. Quanta responsabilidade!

Os minutos foram passando e a casa de Papai Noel foi tomando forma. De repente, quando levantei a cabeça, vi o Papai Noel com sua prancha vermelha e branca, boné da mesma cor, óculos escuros, com três sorvetes numa das mãos.

___ Feliz Natal, crianças! Os sorvetes são para vocês.

Seu sorriso era iluminado, bondoso... Nunca mais esqueci daquele Natal.

MENSALINO
Larissa Schons

Na noite de Natal puxou a poltrona para ver melhor o que passava na telinha. Entre um canal e outro parou naquele que inanimados seres pronunciavam declarações evasivas.

Alguns gracejavam com manifestações de escárnio.

E diziam: Nada sei, pois vox populli, vox Dei.

Enquanto isso nos bastidores outros esperavam a sua vez decorando seus textos já rebuscados e ajustando o figurino que desta vez já estava acertado, o Natal era pra ser gordo, nada de calças vermelhas, barba branca e saco grande com presentes. A última moda havia sido encomendada por um prestigiado empresário careca e o figurino em questão era composto por terno, gravata e malas, muitas malas recheadas de notinhas verdes.

O MOTOQUEIRO JINGLE BELLS
Leila de Barros

Em plena noite de 24 de dezembro, Josias corria com sua moto mais que o frango veloz da sadia, embora não estivesse trabalhando.

Ele corria para tentar afugentar o torvelinho de pensamentos que o assolava naquela véspera de natal.

"Já se vê que esse moleque vai dar trabalho. Um garoto que resolve nascer na véspera de natal, deve ser um bacuri muito problemático. Eu tive que largar todo aquele rango na mesa para ver ele nascer."

"Vacilei na hora agá e não usei o preservativo, mas a Josilene também vacilou, homem não é ligado nessas coisas! Agora eu vou ter que deixar de comprar meus CDs de pagode, vou ter que comprar tênis sem marca para arrumar leite para o bacuri, fala sério!"

"Não gosto de hospitais, como é que eu estou entrando nesse bagulho para ver um guri chorão, que eu nem sei se vai curtir a minha cara? E se ele resolver torcer para outro time?".

"Que quarto maneiro, hein Josi? É esse aí o nosso bacuri?"

"Até que o guri não é tão feinho. Posso pegar? E aí moleque, tá gostando aqui do lado de fora? Ele é miudinho... Deve estar com frio..."

"Vou sair para comprar um agasalho para ele e já volto."

Na rua, Josias viu um camelô vendendo gorros de papai Noel. Comprou um e o colocou todo satisfeito! Começou a correr com aquele gorro vermelho, com uma sensação mágica, mas depois baixou a velocidade.

"Agora sou motoqueiro e papai Noel de responsa!"

BRILHO DE NATAL
Natália Rangel

Daqui do alto eu vejo o brilho da cidade.Os meus olhos se encantam,marejam,e por fim deixam rolar uma lágrima.Minha personalidade difícil me tornou assim,sozinha.Sempre o melhor brinquedo,por baixo da mais vulgar poesia.Os primeiros natais pareciam tão especiais.

Hoje,daqui do alto,com todas essas luzes lá embaixo e estrelas sobre a minha cabeça,percebo que é só mais um natal.E que,depois desse,poderão vir outros,ou não.E que minha vida solitária não ganhará nada mais que uma luz passageira.Por baixo do mais caro brinquedo,a instabilidade do meu brilho de natal.Brilho que se perdeu no decorrer dos anos,e se tornou essa luz artificial que ilumina meu rosto.Quisera eu guardar comigo essa luz,transformá-la em brilho e carregá-la comigo,fazendo dos meus dias um eterno natal.Mas é preciso,acima de tudo,entender esse brilho.E eu,daqui do alto,não consigo nada mais do que simplesmente saber que ele existe.

PIEDADE
Paulo Panzoldo

Era Natal, então era dia de banho. Ela se divertia com o Wilson, quando viu o homenzinho faminto abrir a caçamba. Viu também quando algo caiu de seu bolso. Tentou sair da tina, toda ensaboada, e avisar o pobre coitado de sua perda, mas foi impedida. Debatia-se, latia muito enquanto o homenzinho sumia pelo caminho.

Terminado o banho, a cadela correu na direção da caçamba. Primeiro cheirou, depois abocanhou. Parecia entender a importância daquele estranho objeto e dele não se livrou. Tratou de guardá-lo muito bem entre os dentes. Nem Wilson chegava perto. A cada esticada de braço, uma rosnada. Era uma velha carteira e dava para ver algum dinheiro ali.

Do outro lado da cidade, um homem desesperado tentava explicar aos filhos famintos como é que conseguiu a façanha de perder a carteira no dia de Natal. Nela, os frutos de seu trabalho. Perdeu a carteira. Mas onde? Na caçamba, claro. Seu mundo limitava-se ao caminho da caçamba de onde tirava seu sustento e nada mais. Amanhã iria até lá, mas já não tinha tanta esperança de ver a cor do dinheiro.

Nem bem amanheceu ele sai. Tinha que estar lá, na caçamba em frente à fábrica. Por piedade, a carteira tinha que estar lá, com o dinheiro dentro.

E Piedade estava lá junto à caçamba, esperando. Na boca, a velha carteira, e dentro dela os trinta reais que salvariam parte da vida daquele miserável.

A vida é mesmo assim.

CONTO DE NATAL
Ronaldo Torres

Jingle Bells, Jingle Bells, acabou o papel...

A música a la Luis Bordon tocava a todo volume nos alto-falantes estrategicamente distribuídos nos postes do parque de diversão, lembrando aos desavisados que já era Natal. De vez em quando alguém reclamava e eles trocavam o disco. Para melhor; ou para pior. Havia gosto pra tudo.

Depois da micareta, o Natal era a festa mais animada da cidade. Logo cedo, casais de namorados, pais e filhos, e rapazes em busca de flerte marcavam presença entre as geringonças elétricas, trem-fantasma, roda-gigante, montanha-russa, barracas de jogos e mesas de bar. Sem falar no concorrido trailer de "Monga, a mulher-macaco".

Ele havia engatado um namoro na fila da roda-gigante e, depois de muito sobe-desce giratório, pararam na mesa de uma barraca de bebidas. Conversa vai, conversa vem, beijinho pra lá, cheirinho pra cá, quis impressionar: subornou o operador do serviço de alto-falante e mandou tocar uma música para a namorada. Com dedicatória.

- Atenção Maria das Dores da Mulesta, ouça essa música que O. X. oferece! - troou o recado no parque, seguido de Lindomar Castilho cantando "Você é doida demais / doida, muito doida / você é doida demais!"

Das Dores, embevecida, escancarou um sorriso. Divino. Era a sua música preferida. Perguntou dengosa:

- O que significa "O. X."?

- As iniciais do meu nome.

Como é mesmo o seu nome?

- Ontonho Xofé.

OS SINOS DA SAUDADE
Thaty Marcondes

Belém, Belo
Belém, Belo

Era assim que Maria ouvia o sino da Igreja anunciando o nascimento do Filho de Deus. Chorava de saudades, enxugava as lágrimas e sorria para o futuro. Tinha tomado a decisão. Não se arrependeria de nada! Ela morava em Belo Horizonte (Belô), João em Belém, no Pará.

Belém, Belo
Belém, Belo

Era assim que João ouvia o sino da Igreja anunciando o nascimento do Filho de Deus. Chorava de saudades, enxugava as lágrimas e sorria para o futuro. Tinha tomado a decisão. Não se arrependeria de nada! Maria morava em Belo Horizonte (Belô), ele em Belém, no Pará.

Belém, Belo
Belém, Belo

Ano seguinte, alguns dias antes do Natal: mala pronta, João trancou a porta do cômodo vazio e entregou à zeladora as chaves, junto com o cheque. De presente uma moringa d'água e um vaso de flor murcha, quase seca. "Regue de manhã e à tardinha, dona Alzira, quando não tiver sol, ou a pobre seca de vez".

"Ai-ai, ai-ai, adeus Belém do Pará".

Cantou o caminho todo até chegar à rodoviária. Pobre é fogo: nem de avião dá pra viajar, uma vez que fosse, nessa vida de sacrifício e lida! Sentou perto da janela e adormeceu olhando a foto de Maria.

Belém, Belo
Belém, Belo

É assim que João e Maria ouvem o sino da Igreja anunciando o nascimento do Filho de Deus. Choram de emoção, enxugam as lágrimas e sorriem para o filho. Tomaram a decisão. Não se arrependem de nada!

 

O SEGREDO
Beto Muniz

Era o ano de 1971, eu tinha seis anos e muita curiosidade. Morávamos no enorme casarão dos meus avós e na noite de natal, como sempre acontecia, eu, meus irmãos, primos e demais crianças agregadas da família fomos orientadas a sentar, ficar bem comportadinhos em volta da árvore montada no canto da sala. Menos de dez minutos depois, para alegria da dúzia e meia de crianças, o Papai Noel surgiu do nada, vindo lá dos lados do quarto do meu tio, e começou a distribuir presentes para todos nós. Fui dos primeiros a receber o embrulho com uma etiqueta colada. Não sabia ler, mas reconhecia as letrinhas formando meu nome. A curiosidade não ficou no pacote colorido, foi levada pelos olhos para o homenzarrão vestido de vermelho. Ele sabia o nome de todas as crianças, tinha um gesto de carinho para usar após cada presente entregue, até chamou o primo pelo apelido... e aquelas botas de borracha? Botas Seteléguas! Cheguei perto dele, disfarçadamente, pelo lado, e fiquei observando o sorriso camuflado dentro da barba branca, as mãos, os dedos, as unhas. E finalmente ele me encarou, distraído, e desmanchou meus cabelos como vovô fazia com a gente. Mas foram os olhos dele que acalmaram minha curiosidade. Porém eu ainda queria tirar a prova e derrubei propositadamente um pouco de refrigerante na bota dele. Dentro, molhando a meia. "Esse menino sempre foi desastrado"... e lá se foi Papai Noel rindo com a meia molhada. Minutos depois invadi o quarto do meu tio e confirmei a suspeita. As botas embaixo da cama, dentro as meias do vovô molhada de guaraná. Foi meu melhor presente! Guardei esse segredo durante anos, nunca contei para ninguém que nas noites de natal era meu avô quem fazia as crianças do mundo inteiro feliz.

 

UM SUSTO DAQUELES
Vera Vilela

Um barulho acorda o pequeno Thiago. Ele se levanta: pé ante pé. Desce a escada bem devagar e nota que o barulho vem da sala. O pisca-pisca da árvore de Natal desenha cores na parede em frente, ela balança misteriosamente. O menino vai se escorregando pelos degraus na tentativa de ver o que acontece:

- Será o gato?

- Será um rato?

- Será alguma pessoa da casa mexendo na árvore?

O medo se apossa do menino que volta alguns degraus acima. Tampa os olhos com sua mãozinha fofa. Não quer saber, não quer ver. O coraçãozinho dispara e sente o suor escorrer por sua testa nesta noite quente. Quer chamar seus pais, mas, a voz não sai. De repente, durante esses momentos de terror, ele se lembra...

- É noite de Natal!

Thiago junta suas mãozinhas, fecha os olhos e reza:

- Papai do céu me ajude. Eu estou com medo. Mande embora esse ladrão de minha casa.

Antes de fazer o nome do pai o menino ouve um barulho na janela e vê que seu pedido foi atendido. Corre até a sala e ouve um barulho de sininhos. Olha pela janela a tempo de ver o senhor com roupa vermelha e barbas brancas decolar em sua carruagem puxada por renas.

Ele se volta e ainda vê o brilho mágico em volta da árvore e os presentes que foram colocados ao seu redor. Só lhe resta agora trocar a calça do pijama que ficou molhada de medo.

 

ACONTECEU NO NATAL...
Zeca São Bernardo

Veludo empoleirou-se sobre o telhado, os cansados olhos vermelhos iam e viam seguindo o movimento no terreiro...estavam todos preocupados! Até mesmo o velho galo vermelho temia por sua vida! Afinal era véspera de noite de Natal. E era certo que ou ele ou um de seus amigos não seria mais visto andando solto pelo quintal.

A grande dúvida era quem? Seria o pato desajeitado ou o pequeno cabrito mal nascido? Talvez os donos da casa trouxessem o prato principal de fora, não seria a primeira vez e rezavam fervorosamente para não ser a última.

Mas a verdade só o velho gato preto empoleirado no telhado e olhando as pombas sequioso do paladar de suas carnes sabia...e só lhes avisaria na noite de Natal. Uma espécie de presente seu, uma tentativa de redimir- se de seu eterno mal humor e observações cruéis sobre a falta de elegância de seus companheiros.

Naquele ano não haveria matança alguma no sítio, Armindo filho do dono da casa voltara do exterior( fosse isso onde fosse, questionava-se o velho gato) convertido á alguma religião que pregava a abstenção de carne. Comeriam só saladas, grãos, frutas e peixes como forma de homenagear e respeitar a decisão do filho.

No fundo dos olhos vermelhos de Veludo havia o velho brilho do mistério! Perguntava-se quais dos peixes dourados do aquário da sala de estar seria servido primeiro...

 

EM DOBRO PRA VOCÊ TAMBÉM
Luís Valise

Até que a solidão não incomodava tanto, o que dava nos nervos era a musiquinha que saía da televisão avisando que era natal. E daí? Que se fodessem os jingle bells, ela só queria que o sono chegasse logo. O cheiro de cigarro empesteava o ar, ela abriu a janela e ouviu passos se aproximando. Curiosa, espichou o pescoço e viu Papai Noel atravessando a rua com passos imprecisos. A barba caída sobre o peito deixava o rosto à mostra, e ela viu que aquele Noel não era assim tão velho. Onde iria, àquelas horas? Esperou que ele chegasse mais perto. "Oi, Papai Noel, aonde você vai assim sozinho?" O homem ergueu os olhos um tanto avermelhados, e ao ver a mulher que sorria na janela não encontrou nada melhor para dizer a não ser "Feliz Natal!". "Feliz Natal pra você também. Não quer entrar?" Ele quis. Depois de passar o dia fazendo bilú-bilú para as crianças que iam ao Shopping, ele bem merecia que alguém fizesse bilú-bilú para ele. Ora, se não merecia! Lá dentro não tinha música, nem mesa posta, nem árvore armada. Apenas uma mulher com olhos castanhos, e carentes. Um presentão para um homem sozinho como ele. Enquanto ele soltava o elástico da barba branca e sentava no sofá, ela pediu licença e foi até o quarto, esconder sob o colchão as cartelas de AZT.