RAVI
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Oicram
Somar
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Um dia meu avô, grande contador de histórias, em uma daquelas noites de lua e fogueira a beira do mar, começou um de seus contos. "Ouçam crianças e prestem atenção. Aquele que sabe ouvir não fala bobagem." "Ravi era um garoto diferente, de ar sonhador, cheio de energia e curiosidade. Queria saber de tudo. Enigmático, desde pequeno chamava a atenção. A sua presença preenchia qualquer ambiente. O que ninguém entendia era a profunda melancolia que Ravi sentia. Apesar de tudo seu aspecto melancólico lhe proporcionava um semblante ainda mais belo. Ravi tinha a beleza das tragédias." "Convivi de longe com Ravi. Desde a infância, morávamos na mesma vila, nunca fomos muito chegados. Lá pelos seus 30 anos Ravi começou a definhar, foi quando nos aproximamos, e passamos a conversar, e nos tornamos íntimos. Ravi então me contou um pouco de sua vida. Dizem que melhor que uma vida longa só mesmo uma paixão intensa." "Quando criança, Ravi se apaixonara perdidamente por uma menina da escola. Ele dizia se lembrar de seu nome, sua fisionomia, seus cabelos. Uma paixão tão intensa que jamais pode se esquecer. Eram crianças ainda, e eu nunca soube que crianças daquela idade pudessem se apaixonar, mas Ravi disse ter se apaixonado e sabia do absurdo que isso podia soar para ouvidos alheios, mas a verdade é que ele nunca se esquecera daquela menina. Ficou doente várias vezes por não poder tê-la em seus braços, até que se separaram. Podemos esquecer um grande amor, mas jamais uma grande paixão." "A sina de Ravi continuava. Cresceu entre mulheres e sua paixão só aumentava. Devido a sua fisionomia, sua inteligência e seu magnetismo. Acontece que Ravi nunca amou ninguém, não conhecia este sentimento, que eu não ouso definir, Ravi apenas se apaixonava perdidamente e amava com todo o seu ser. Agindo assim de uma maneira tão intensa jamais conseguiu ficar muito tempo com alguém. A intensidade é parceira do momento e não da eternidade." "Assim ele precisava sempre de uma outra pessoa, de uma nova paixão, mas seu jeito amoroso e apaixonado de ser não lhe permitia deixar de gostar de suas mulheres, apenas se apaixonava outra vez, tão logo a primeira paixão esfriasse um pouco. Ele precisava sempre de algo novo, diferente, instigante. Ravi era daqueles que não nasceu para ser raiz era fogo em transformação." "Amante das artes, da literatura e do saber, Ravi em pouco tempo acumulou cultura suficiente para conversar durante dias sobre qualquer assunto com qualquer pessoa. As mulheres para ele, agora, precisavam lhe corresponder intelectualmente. Algo em Ravi foi mudando, o seu magnetismo era o mesmo, mas poucas mulheres se aproximavam dele. Ravi no alto de seu pedestal, seguro, decidido, transpirava tanta força intelectual e erótica que intimidava aquelas que estavam próximas a ele. E Ravi não aceitava menos que ele próprio. Aos poucos Ravi foi se distanciando do mundo, sua energia aumentava a cada dia, sua paixão desmedida não encontrava eco, seus raciocínios nunca eram rebatidos. A paixão que Ravi nutriu por tudo que o mundo tem de melhor, estava lhe definhando. A água do poço deve ser usada com sabedoria." "Acontece que Ravi não saberia como viver sem uma mulher ao seu lado, mas como não conhecera o companheirismo, era-lhe impossível estar junto a alguém por mais de três dias seguidos. E Ravi se entregou ao ascetismo, se distanciou do mundo e o mundo o esqueceu." "Numa bela tarde de inverno tive o meu último encontro com Ravi. Sua fisionomia melancólica e enigmática estava lá, intacta. Mas ele já não respirava. Sentado sob o sol escaldante da caatinga nordestina, Ravi como bom asceta que era, se entregou ao Deus Sol, sentou tranqüilamente em uma pedra, fincou os pés no chão em homenagem a Mãe Terra, encheu os pulmões de Vento e melancolicamente desfaleceu. A autópsia diria mais tarde que há muito Ravi não se alimentava. Por dias seu corpo exalou um perfume inebriante. Misteriosamente mulheres de todos os lugares vieram velar o seu corpo e nove meses depois nunca o nordeste tinha visto tanta criança nascer. O homem de paixão e sabedoria desmedida acabou só em vida, na morte vieram lhe prestar homenagens." Foi mais ou menos assim que ouvi esta história de meu avô. Fui procurar a etimologia da palavra Ravi, e encontrei Sol, em sânscrito. Passei a meditar sobre a paixão e a sabedoria, e a discussão antiqüíssima sobre a oposição entre corpo e mente. Lembrei do velho Silva dizendo: "Vai pela sombra". |