DENSO
(OU PEQUENA CARTA À UM AMIGO DISTANTE)
Natália Rangel
 
 

Trago notícias do verão. Elas não estão de todo frescas, mas existem ainda partes que deves saber. O sol esteve forte durante todo o dia, e agora entra pela janela uma brisa fresca. Me lembrei de quando me perguntaste se todas as noites de verão deveriam ser quentes. Hoje já não acho tão tola a tua pergunta, entendo nela as tuas nuances. Tuas palavras tão vazadas de sutil maldade.

Aproximam-se as águas de março, e chuvas me tornam especialmente nostálgica. As fortes pancadas de chuva do verão, as chuvas passageiras, intempestivas como eu. Imprevisíveis, como eu gostaria de ser.

Adélia passou comigo uma semana desse verão. Juntas,tomamos água-de-coco e concluímos que o tempo é por demais veloz, e por isso deveríamos fazer isso mais vezes. Contudo, ela logo partiria, e sei que sua promessa de retorno não passa de realmente uma simples promessa. Neste mundo corrido, águas-de-coco evaporam antes mesmo de chegar ao topo do canudo.

Estou parecendo triste? Mas isso não chega a ser de todo verdade. Faço logo anos, e percebo que há muito tempo venho investindo em projetos que não chegam e nem me conduzem a lugar algum. Mas sinto nos lábios o gosto do verão, sinto na pele o vento do verão, vejo o verão. Uma profusão de sentidos que me tornam bastante feliz. Acho que trago em meu espírito uma alma mediterrânea, herança de além-mar, misturada com o calor dos trópicos. Ai, meu peito se emociona ao lembrar o verde do mar!

Tomei banhos de chuva! E não te rias, são realmente rejuvenescedores! Quantas noites quentes lembrei de ti, quando dizias que sou muito infantil, e me lembrei de como me zangava. Bobagem, eu preciso ser infantil. Percebi que pra mim é vital essa risada boba, essa falta de assunto e minhas brincadeiras sem graça. Percebi que é isso que me salva. E, meu amigo, acredite, eu preciso ser salva.

Fiz pratos diferentes nesse verão. A maioria não deu certo, é verdade, mas alguns ficaram comestíveis. Tudo tão sensorial nesse verão! Pude ver e sentir o cheiro da comida de minha mãe cada vez que incursionava pela cozinha.

Escrevo-te, amigo, porque realmente me arrebenta as fibras do peito tanta vida que joguei fora. Escrevo-te, porque já não quero mais disperdiçá-la. Vou guardar em cada palvra as coisas que a palavra não fala. Escrevo-te para que possas sentir o meu hálito e lembrares que alguém foi feliz, em algum verão, em algum lugar do passado. E que se esse alguém ainda se encontra preso à terra, é porque o ar é por demais pesado, e não lhe permite voar.

 
 

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