FALTA D'AR
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Eduardo Sales
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Os alvéolos param de trabalhar, e de repente, "tô sem ar". Como se sente o enforcado momentos antes da consumação de sua morte? E como se sente aquele que se salva no último segundo? Durante toda a história, muitos foram esquartejados e degolados por supostos crimes definidos pela justiça secular ou eclesiástica. Mas a pior maneira de executar um ser humano talvez fosse pelo enforcamento, pela falta d'ar. O enforcamento é a falta d'ar, é a dor do suicida arrependido, a liberdade do mártir condenado. Testemunhei, no entanto, que um "enforcamento" pode ser a coragem de um jovem para demonstrar aquilo que crê. Vamos a trotes serenos. Judas Iscariotes, por exemplo, teria se enforcado. "E foi naquele momento em que me joguei que gostaria de estar junto ao Mestre". Judas disse isso mesmo? Se Judas tivesse tido uma chance, o que faria, o que daria? "Preciso dar o que ainda não dei". Se dessem a um mártir a chance sair ileso das amarras da ditadura brasileira, o que ele daria? "O que é isso companheiro, você sabe, meu! Honraria as cores de meu país e ousaria mais ainda na luta pela justiça". Extra! Extra! Jornalista Vladimir Herzog amanhece morto nas dependências do DOI-CODI. Faltou ar para o herói, tiraram dele. A última falta d'ar é mais recente, de um garoto de 20 anos. Ooa! Trotes serenos, lembra? Ele não se suicidou como Judas e nem foi assassinado como Vlado. Está vivo. Foi numa apresentação teatral às 18:47 do dia 26 de novembro de um ano qualquer. Ele representava Judas, e não precisou morrer para se tornar um Vlado. Thiago, morador de São Miguel Paulista, em São Paulo, foi envolvido por cordas de segurança, mas algo deu errado. As cordas pressionaram seu tórax. O rapaz teve uma parada respiratória. Houve desespero para retirá-lo da suspensão, sua voz sussurrava um "socorro" quase inaudível. Momentos depois, o garoto se recuperava e dizia: "Precisamos continuar!". Ele sabia do risco que corria, que haveria grandes possibilidades de acontecer aquilo. Mas acreditava que faltava dar algo para quem lhe assistia. No instante em que perdeu seu ar, lembrou-se de que, para dar algo a outrem, precisava, simplesmente, de ar. |