LUCRÉCIA
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Beto
Muniz
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Essas coisas gente de bem não diz nem pro melhor amigo, principalmente quando envolve o emprego. Não se pode bulir com o ganha pão! Mas eu preciso contar... Ela enlouqueceu! Sei lá, talvez porque as luzes estivessem apagadas, ou então foi obrigação de usar bem os lençóis que parecem novos, primeiro uso. De menos os lençóis, nada mais nesta cama parece de primeiro uso. Eu não sou de primeiro uso, isso meio mundo sabe, mas o que ninguém sabe, nem imagina... Nem eu sei direito o que aconteceu! Fechei os olhos e quando os abri não via nada mais, ela me vendou com o cachecol e o mundo ficou lilás, eu só sentia um gosto marshmallow na boca e um cheiro de enxofre me invadindo as narinas... A patroa ficou possuída pelo demônio, pior, ela se transformou num satanás, me entende? Escrevendo afobado assim posso não me fazer entender, mas o fato, o que se passou no quarto depois que as luzes foram apagadas... Sei que não deveria comentar sobre isso, eu prometi a ela que não ia abrir a boca. Sabe como é, mulher do patrão... Silêncio total, nem um pio. Mas não posso! Não posso e não consigo guardar comigo, só comigo, esse desgoverno. E se quebro uma promessa que fiz é porque preciso, não por mim, que já fui devorado por essa encarnação das Messalinas todas, preciso contar para prevenir o coitado do moço que serve as plantas, cuida das gramas. Ele também está na mira dela e deve passar por isso que passei. Sim é por ele, coitado, não por mim... Sabe aquelas histórias todas do Nonato, do Sinval e do Jorge? Pois então, falaram tantas bobagens sobre a patroa, sobre como ela agride, como ela faz e como pede mais. Falaram tanto em tesão, gozo, depravação e tal que acabaram por não dizer nada, nada, nada próximo do que realmente foi. Agora eu sei. Foi um exorcismo! Eu expulsei um belzebu de dentro dela enquanto a entupia com as bobagens e safadezas nascidas na minha imaginação. Aquele diabo não volta mais. Desci o cacete nele! A pombagira apanhou de todos os jeitos e por todos os lados. Tomou nos cornos a desgranhenta! Mas não foi assim tão fácil como faço parecer, foi uma noite de esbanjamentos, parecia que nunca mais amanhecia e quando o sol raiou deu-me uma vontade de chorar só para usar os cabelos dela como lenço. Depois eu quis confessar essa minha vontade muda, esse desejo fazendo aniversário. Mas ela dormia, sem demônios, sem gritos, sem aquele fogo, brasa do inferno, que só de encostar quase me derretia a pele. Trazer a patroa no meio da noite, com chuva, para a fazenda foi um desacerto que deu certo, diacho. Como deu! A bem da verdade eu não sei como deu certo, mas deu. Não sei quem apagou as luzes, acho mesmo que nem estavam apagadas, sei apenas que os lençóis eram novos e meus olhos estavam vendados. Menos quando deu vontade de chorar, nessa hora eles estavam abertos olhando o brinco azul no travesseiro. Foi difícil segurar. Mas logo comecei a pensar na madrugada... O que foi que ela fez comigo? Foi só o tempo de eu fechar a porta, aceitar um beijo, passar a mão pela nuca dela e o mundo desabar no centro da cama, no lençol novo, em mim. Levei um susto! Não sei se vai acontecer novamente do jeito que aconteceu, estou com medo que não aconteça, mesmo assim já valeu ter corrido o risco. Se o Dr. Bórgia fica sabendo! Periga ele até já saber, não de mim, mas das ousadias da mulher que ele tem. Ele mesmo ficou me olhando, me sondando, enquanto a patroa queria por que queria vir para fazenda à noite e ainda por cima, com chuva forte na estrada. Faz tempo também que ela fica me sondando. Eu nem olhava direito, mas sentia ela me tocaiando. Na vinda fiquei ali, cuidando do volante e da chuva, só esperando ela amadurecer o querer. Firme! Não fiz igual o Jorge que se engraçou e perdeu o emprego, nem copiei o Nonato que inventava tarefas dentro da casa só pra se aproximar e acabou sendo afastado por justa causa. Mas desde a hora que vestia o uniforme de motorista assuntei que essa viagem fora de hora tinha coisa. Se escrevo tudo aqui, desprometendo o prometido a ela, é porque a minha mente não vai conseguir guardar sozinha tudo que a patroa aprontou comigo. Ela deu um bote! Minha intuição não falha, ela estava é me querendo. E essa mulher me querendo é bom demais! Desmoronou uns sentimentos aqui no meu peito! Agora só tenho mesmo é vontade de exorcizar os demônios de dentro dela o dia inteirinho, de hora em hora e... ela está vindo. Nunca pensei que uma mulher pudesse ficar tão faminta, e precisa ver como anda pela casa, parece onça na tocaia, arrodeando os móveis sem tirar os olhos de mim... Ó, vou guardar lápis e papel que pelo jeito a patroa enlouqueceu novamente. É o diabo pedindo sova! |