ESTRANHAS SAUDADES
Victor Loureiro
 

Estranha saudade aquela, que batia duas ou três vezes por ano, sempre ao telefone, sempre depois das oito da noite. Acontecia toda vez ele e a avó falavam sobre o avô e marido que morrera alguns meses antes e que, segundo ela, chorava toda vez que falava sobre o neto - um hábito agora saudosamente herdado por ela própria.

Saudade estranha a que chegava depois de alguns dias sem ouvir a voz da namorada, ou sem ver seu rosto sorrindo e seus gestos divertidos. Tudo por causa de uma briga boba que transformava aquela vontade quase incontrolável de ficarem grudados um ao outro numa obrigação apenas dele de se conformar com o cotidiano afastado.

Não era menos estranha a saudade da música preferida, guardada na última faixa de um vinil empoeirado em alguma prateleira do apartamento que um dia fora de seus pais. Estava lá a mesma voz, com pulos de agulha e ruídos que a tornavam única, mas ficava em silêncio em meio aos outros vinis e aos cassetes e CDs.

Estranha saudade era a que ele sentia de comer macarrão com feijão, gelatina com leite condensado, tubaínas cor-de-rosa e doces de amendoim enrolados em papel prateado. Nos últimos anos ele se limitara a sopas, saladas e uma taça diária de vinho para ajudar o coração.

Era estranha a saudade dos amigos que ele nunca teve, das coisas que nunca comprou, das garotas que nunca beijou. Não é que ele tivesse tido poucos amigos ou coisas ou garotas, mas aquelas estavam na memória e não precisava sentir tanta falta assim delas.

Saudade estranha a de sair pela rua, de ver televisão, de tomar um chopinho, de jogar uma pelada. E mais saudade, ainda mais estranha, de não fazer nada daquilo, de não fazer absolutamente nada.

Estranha, mais que todas, aquela que batia no exato segundo em que ele entendia que, depois de setenta e cinco bem servidos anos, se despedia da vida para não entrar em história nenhuma e não poderia mais sentir nada. Era o último suspiro, a última saudade.

 
 

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