A MULHER VESTIDA DE CÉU
Tatiana Alves
 

Aquela cena a perseguia: um vestido, de cor indefinível, cujo estampado assemelhava-se ao céu durante o crepúsculo. Ela via-se, como num filme, chegando lentamente a uma espécie de café. Seus gestos, bem como a cadência de seus quadris, revelavam que alguém muito especial esperava por ela naquele bar. Era um bar simples, com cadeirinhas brancas de vime ao redor de pequenas mesas redondas. A onisciência trazida pela cena dava-lhe a certeza de ser algum lugar da Europa, possivelmente a França. A cena, que parecia se passar nos anos quarenta, trazia-lhe uma amarga nostalgia. Ao fundo, um solo lírico, cujo tom choroso intensificava a sensação de melancolia.

Era então que tudo parava. Como num filme projetado que apresenta um defeito durante a exibição, a cena era bruscamente interrompida, impossibilitando-a de conhecer o final. Quem a aguardaria dentro daquele bar ? O que estaria por detrás daquela porta que ela em breve cruzaria ? Talvez o homem de sua vida, a lhe estender a mão, em uma promessa de eternidade ? O que aconteceria em seguida ? A cena congelada a atormentava, como se o inescrutável, em algum momento, pudesse ter impedido um encontro que, não fosse por isso, teria ocorrido. A sensação de que o imponderável assassinara-lhe o destino a angustiava. Um tênue fio partira-se, fazendo-a perder as conexões entre o antes e o depois. Se ao menos tivesse vislumbrado o rosto por trás da porta, imprimi-lo-ia na memória até o fim dos dias, para encontrá-lo novamente. Mas como procurar o que não se conhece?

Mas por que se lembrara novamente da cena ? Ah, sim, porque ouvira a tal música ao passar por uma loja de CDs. Parara, na calçada de uma movimentada avenida, transportando-se para aquele tempo e lugar intangíveis, para, ainda uma vez, buscar o rosto que a esperava. O contato da seda com seu corpo, o cheiro de café e a música de fundo eram quase físicos, numa sinestésica saudade. Suspirando, sacudiu a cabeça, como se com isso pudesse varrer as lembranças. Como algo que se varre para baixo do tapete, um dia o vento da recordação trazê-las-ia de volta. Não importava. Sabia que, cedo ou tarde, em algum lugar reencontraria aquele a quem, um dia, deixara esperando num café.

 
 

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