PARTO
Sandra Manfredini
 
 

Diz a música que a saudade é o revés do parto. Diria eu que a saudade começa no parto.

De todas as que tenho, a mais estranha é aquela saudade de ver o filho crescer, de perceber que não se foi capaz de guardar os detalhes, o primeiro passo, o bocejo, o riso. A saudade de quem não pôde reter o choro, as travessuras, o medo do escuro. De quem não segurou o tempo.O amigo imaginário.

E de repente eles estão lá. Donos de si. Oradores de sua própria história. E bate a saudade. O estranho sentimento de que se perdeu parte da crônica daquelas vidas. De que se deixou escapar o melhor. De que se esqueceu de todos os detalhes. A culpa de quem nem viu que eles cresceram. De quem não percebeu que o tempo passou e que os encantos mudaram.

E como saudade puxa saudade... Dói a falta dos amigos de infância, a ausência dos namorados da juventude. Ah! Quanta paixão abrigava o coração. Meu Deus, que saudade do meu primeiro amor. Que saudade do meu último amor. Que está e não está. Que às vezes ainda aparece, mas que jamais voltará.

Que saudade de ter saudade de coisas menos dolorosas. Das férias, dos dias sem menstruação, do amigo que viajou para o interior, do bolo da vó, da música do Roberto.

Que estranha essa saudade que não desgruda. Que deixa cheiro. Que traz no vento cores e perfumes, que coloca lágrimas nos olhos e apaga parte da alegria do coração. Mas não tira o sorriso do rosto.

Afinal, a vida ainda trará muita saudade. Mesmo que não se queira. Mesmo que se lute contra. Enquanto não vier a morte, haverá a estranha saudade da vida.

 
 

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