AS COISAS DE AGORA
Ro Druhens
 

Tentou guardar o hoje na gaveta onde já guardara tanto passado. O hoje fora o dia da primeira vez que o vira e nada mais seria igual fossem quais fossem os outros hojes que o tempo traria, não importava o quando.

O sinal demorava a abrir e ela esperava na esquina. Na outra esquina, do outro lado dos carros, táxis, ônibus, entregadores de tudo, ele também esperava. Por entre asfalto, borracha e pizzas eles se olhavam, mas os óculos escuros mantinham a discrição dos olhares.

Ele percebeu que a mulher do outro lado da calçada era talvez a mais magra de todas que se enfileiravam para cruzar a rua. Talvez fosse desesperada, talvez fumasse muito, talvez se escravizasse à contemporaneidade e mantivesse o corpo magro às custas de saladas e grelhados, pensou.

Ela pensou que um homem tão alto como aquele talvez trocasse lâmpadas sem auxílio de escadas e fosse solidário. Homens altos sempre lhe pareceram solidários.

Do vermelho ao verde.

Um esbarrão lhe derrubou do abraço o embrulho. No meio de tudo, os cacos. O homem alto abaixou-se para ajudá-la. Num breve instante suas mãos se tocaram, em meio aos cacos de tudo. Mas, nada poderia ser refeito. O que se quebrara perdera a função de existir ao ser quebrado.

Em casa, quase madrugada, ela tentou guardar o hoje na gaveta. Já passava da meia-noite.

 
 

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