ESTRANHA
OBSESSÃO
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Oicram
Somar
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Estranha Obsessão esta de ficar te olhando pelo vidro do carro, atrás do poste, pela janela da casa. Te ver ali, parada, quase morta, naquela esquina, na sombra da árvore, à meia noite, embaixo do poste. Às vezes, você maluca, dançando um xote, xaxado, rock, sei lá. Às vezes você vaidosa, retocando a maquiagem, arrumando a saia, prendendo o cabelo. No frio você se veste sensualmente, às vezes cômica, às vezes as roupas estão fora de moda, outras suas economias não dão pra combinação correta, mas você não desiste, sua dignidade fala alto. É no verão que você se empolga, todos se empolgam, mas você quase nua, perturbando os motoristas, algumas mulheres te invejam, homens te desejam, você desperta fantasias escondidas, reprimidas, contidas. Senhoras católicas não se agüentam, rezam por você e desejam teus desejos. Homens enrustidos te xingam e dormem menos homens. Jovens aprendem um pouco de liberdade, e mulheres invejam seu corpo. Tu és mais marginalizada que as mulheres negras e pobres, que os mendigos na rua, que estuprador, que as putas das altas rodas, que os salafrários, que os facínoras, que os pedófilos, que os maiores filhos da puta, e tu não faz nada para te tratarem assim, tu apenas com bravura e coragem segue a sua própria natureza, porque é só isso que deve ser seguido. Você devia ser o exemplo de quem persegue um sonho, desafiando o sistema que quer acabar com os sonhos; na cara do moralismo assassino que trucida devagar as mentes brilhantes das crianças; você desafia o bom senso, o politicamente correto, o aceitável, o que está convencionado como o certo; você é o símbolo libertário da opressão sexual, da ditadura democrática, do poder da tradição. Sua atitude muitas vezes maluca num farol, bêbada, drogada, fudida, maltrapilha é a imagem de todos nós, de nossos preconceitos, de nossas frustrações, de nossa má educação, de nossos pais, de nossos ancestrais... As poucas, de sua estirpe, que se salvam por uma ou outra razão da prostituição, são marginalizadas igualmente, e seguem defendendo com bravura o que a humanidade tem de melhor e de inegociável, que é a sua liberdade, a liberdade de ser o que bem querer, à estas, faróis que pouco iluminam, indicam o caminho a seguir, que é a luta pelo que vocês têm de melhor, a capacidade de representar homem e mulher em sua expressão primeira, em sua androginia. Estranha saudade, esta minha de querer saber, o que é ser, ser, ser humano, o ser primordial... |