ESTRANHEZAS
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães
 
 

o vazio - era só que me faltava. as fotografias tuas (provas?) de nada me servem uma hora dessas. não consigo mais ver com nitidez os detalhes do rosto que já não tens. cego guardo na ponta dos dedos tão somente a suavidade morna da tua pele, a estética dos contornos perfeitos... mas o tempo foi cruel conosco. decerto tens agora, como eu, pele de pergaminho velho. talvez os cremes e os ungüentos ou as mãos hábeis de algum cirurgião plástico me contradigam; mas não há como não crer que Cronos, a quem não prestamos adoração, não seja um deus vingativo.

restam-me saudades, confesso. os homens que se fizeram ao mar a inventaram em dias de desesperadas calmarias como se os seus suspiros fossem capazes de enfunar velas.

de fato ainda as trago no alforje do peito falsamente blindado. lembro de ti e viro bicho: pico esporas, uivo pra lua, persigo implacável as cores rubras do entardecer sem saber que ele já me pertence.

o vazio, a falta, a ausência... nada é estranho ou incomum aos viventes. estranha-me porém o fato de que a minha memória desgastada ainda te preserve intacta e incólume. estranho demais para quem confia que soterrou para sempre numa vala comum seu passado comprometedor e teme como o diabo à cruz que o exumem.

 
 

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