CUECAS AUTÔNOMAS
Eduardo Prearo
 

Foi na primavera de 2004 que a vida medíocre do digitador Herman Silva Warner piorou ainda mais. Ele deixara a amante Brígida de Sousa, e também o rótulo de gigolô alienado, de lado. Agora, com um emprego informal, saiu do amplo apartamento onde vivia para ir morar em uma pequena e perigosa hospedagem. Emagreceu, que bom; noventa e dois quilos era demais; os oblíquos carregavam muita gordura indesejável. Herman, então, iniciou um tratamento com um psiquiatra jovem chamado Oscar, homem moreno jambo, de porte atlético, e que vestia roupas internacionais. No consultório do médico, havia um divã vermelho-terra meio velho, estantes de metal contendo livros e objetos de arte, uma mesa de escritório, duas cadeiras em estilo medieval e uma poltrona verde-escura onde Oscar se instalara bem antes da entrada de Herman.

----- Olá, Herman. Deite-se. Como esta terapia é paga pelo governo, exijo que você não se atrase, ok?

----- Ok, disse Herman, deitando-se e fixando os olhos no teto de pintura descascada. ----- Mas e se eu me atrasasse?, continuou.

----- Não o atenderia. Bom, pra começar conte-me um sonho.

----- Sonhei com cuecas, doutor. Havia duas no sonho. E cada uma precisava de uma reza diferente. Elas parecia serem autônomas, inflamavam-se sem a reza. Que barulho é esse, doutor?. Parece que alguém desafivela um cinto...

----- Não, não sou gay, bradou Oscar.

----- Mas as duas cuequinhas...Herman, o que lhe vem na cabeça quando se fala em cueca?

----- Arroz frito.

----- Só isso, Herman?

----- David, Antonio, ferro de passar roupas, peça de vestuário masculino...Chega, assim não dá, doutor. Desculpa, é que eu estava apaixonado há algumas horas e...estou meio bravo. Mas está passando.

----- Fale dessa paixão.

----- As paixões me molificam, creio eu. E acabam se tornando unilaterais porque...porque talvez eu não saiba muito bem o que faça. Prefiro mais o carinho do que a foda em si. Sou religioso sabe, não sou a religião de ninguém. Dou um sorriso assim, ó, não pude fazer melhor, sinto muito.

Herman levantou-se e partiu, desatinado, batendo a porta com toda a força. Desabusado repentinamente, roubou o carro de uma madame e ainda a xingou de cadela. Resolveu ir para o litoral, ligou o rádio... Mrs Robinson. A polícia estava de greve ou será que a bomba H explodira? Chegando ao litoral, após uma hora de viagem, Herman conseguiu logo vender o carro por mil reais, indo se hopedar em um hotel pertinho do cais. Sentiria mais angústia com a óbvia preocupação de quem o queria bem do que saudade se partisse em um navio? Poderia estar desaparecido por outras causas bem menos agradáveis. Saiu do hotel, já eram quatro da tarde, e entrou em um restaurante caríssimo, fartando-se de chandon e camarões. Depois, alcoolizado, dirigiu-se à praia e fitou o horizonte. Netuno o chamava, Herman sentia isso. Diante de um pôr-de-sol prodigioso e ao som de Hei, Jude, ele foi penetrando lentamente no mar...

"História baseada em fatos reais.
Herman não morreu. A guarda-costeira
conseguiu capturá-lo e hoje ele se
encontra em um hospital psiquiátrico,
além de estar cumprindo pena de
20 anos pelos crimes que cometeu."

 

 

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