LEMBRANÇAS
Alexandre Ferreira
 
 

O vento zunia em meu ouvido e fazia tilintar, à seu sabor, lembranças remotas que se chocavam e remontavam cenários passados quando me punha a olhar aquela sacada vazia.

Ela ainda estava ali, aliás, em meus sonhos, ela vai estar ali pra sempre, cabelos finos, esvoaçantes, sorriso no rosto, o vestido roto, sempre molhado na altura da barriga, ombros magros, delicados, pele branca, hora acobreada, hora amarelada, hora sem cor.

Faz tempo, muito tempo, a sacada era viva, tinha cor, ela ia e vinha, passos largos, pés finos, cabelos amarrados e me convidava pra entrar, e se vestia de branco, e me enlaçava com as mãos geladas e, finalmente, beijava, beijo quente, saliva doce, o coração não batia. Eram felizes aqueles momentos em que nós nos encontrávamos pra beijar, só beijar, e olhar, nunca falar. Não que fosse proibido, mas nunca tive vontade e acho que ela também não, nós nos falávamos no olhar, ou nos odores de rosas vermelhas que o vento levava e trazia vez ou outra pra arrefecer o cheiro de terra molhada que tinha os seus cabelos.

E todo dia a gente rolava na grama molhada, coberta de folhas que os sopros do outono faziam precipitar da copa das árvores. Ainda ouço suas risadas, escancaradas, de dentes brancos e olhos brilhantes. Correr com ela pelo jardim era um desperdício de energia, ela sempre me ganhava, tinha pernas fortes e quando brincava de esconder ela sempre me achava, mas era divertido ver a satisfação escrita em seus olhos verde-musgo.

Minha mãe sempre ia me buscar no jardim, todas as tardes, e me encontrava sujo, suado e sozinho. Ela sempre sumia cozinha adentro quando minha mãe berrava meu nome, não se despedia, apenas corria e sumia.

O tempo passou, eu envelheci e nunca mais nos vimos, nem de tarde, nem de noite, nem de dia. O peito ainda arde na falta de ver seus pés descalços, de sentir seus suspiros embolados nos meus, de tentar descobrir que pele fria era aquela que ela vestia. E é essa estranha saudade de alguém que nunca conheci que me faz atracar de novo no porto de minhas lembranças e me faz esperar, esperar e esperar.

O vento zunia em meu ouvido e o estalar de sua língua em meu ouvido me faz, novamente, despertar...

 
 

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