TRÊS DIAS DEPOIS
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Patrícia da Fonseca
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Se Thais pudesse mudar alguma coisa em si, não seria na aparência. Ela estava satisfeita com o que Deus havia lhe dado. A celulite, algumas estrias e uma leve barriguinha não alteravam seu humor por nada neste mundo. O que ela queria mudar, realmente, era de coração. Thais, principalmente quando bebia além da conta, jurava que nascera sob o signo errado. Balança. Ou Libra, tanto fazia. Se ela nascesse três dias depois, teria nascido Escorpião. E com este signo ninguém podia. Mas, libriana como era, seu coração era mole. Chorava quando assistia alguma cena mais forte na TV. Se alguém pedia dinheiro emprestado, com aquela cara de tristeza, Thais se compadecia e não emprestava. Dava a grana logo de uma vez. Ah, mas se fosse Escorpião, pensava ela, repetidas vezes, seu comportamento seria outro. O oposto. A mulher impiedosa, com o coração duro, duro feito pedra. Em primeiro lugar, não sofreria nunca mais de amor. Não viveria amando os mais cafajestes do mundo. Já perdera a conta de quantas vezes ficara sabendo por terceiros que algum namorado seu fôra visto com outra, enquanto a trouxa pensava que ele ardia de febre, em casa. Os canalhas que a amariam ensandecidamente, mandando flores, cartões, jurando amor eterno. Thais se imaginava pisando no coração deles com seu incrível salto alto e sua minissaia minúscula, trucidando sentimentos e paixões. Grana emprestada? Thais chegava a rir imaginando a cena. "Não" seria a resposta, a única resposta. Quem mandou gastar o dinheiro que não tinha? Não, não e não. A violência transmitida através dos noticiários na televisão seria banal para quem tinha um coração tão duro. Coração de Escorpião. Era o que Thais traria dentro do peito se nascesse três dias depois. E como reagiria uma mulher do signo de Escorpião, esperando o telefonema de um namorado, pretendente, rolo ou fosse lá o que fosse? Certamente não esperaria. Ela pegaria sua bolsa e iria para o shopping fazer compras para ficar ainda mais sexy para outro homem. E ela, Thais, deitada na rede, o celular ao lado, esperava que a mais nova paixão da sua vida lhe ligasse. Ele prometera ligar pela tarde, depois de uma doce noite de amor. Já eram quase sete horas da noite, a tarde voara, o telefonema não viera, Thais sofria. Quisera ela pegar sua bolsa, ir para o shopping e ficar gostosa para o primeiro homem que lhe cruzasse a frente. Mas seu coração libriano era por demais apaixonado, doce e encantador para fazer algo parecido. Thais sonhava acordada com seu príncipe encantado e o que importava se tivesse mais de trinta anos? Quem disse que nunca existiram princesas balzaquianas? Thais muitas vezes se sentia a própria princesa, que vivia encastelada no alto da torre, esperando o belo chegar. Mas se ela tivesse nascido três dias depois, já teria saído do castelo e ido morar sozinha. E Thais, deitada na rede, ouvia seu próprio coração bater. O celular não tocava, mas seu doce coração sim. Tum, tum, tum. Ela queria ser brava, queria gritar, queria mostrar para todo mundo que a dona do seu coração era ela mesma. Um coração implacável, duro, inexorável. Mas Thais, deitada na rede, sonhava acordada com amores eternos. Se o celular não tocasse desta vez, outras ocasiões viriam. E ela continuou esperando. |