PÉS DESCALÇOS
João Rodrigues
 
 

A dureza da vida me tornou assim. Às vezes, enclausurado dentro de mim mesmo feito um caramujo que se fecha em sua concha, fico calado, armando algum plano para superar mais um dia e, na incerteza, buscar a esperança de mais um amanhecer.

Nem sempre é fácil chegar a mais um amanhã. O meu mundo, provavelmente tem o coração mais duro do que o seu mundo. Não tenho refresco. O calor, o frio, a fome, a violência... Tudo isso vem em excesso até mim. Não preciso buscá-los, eles me encontram.

Não sei onde errei. Gostaria de saber, mas não posso me dar ao luxo de perder tempo pensando, tenho que agir sempre. Pois vivo cada minuto como se fosse o último.

Sou como os abutres que escolhem suas frágeis presas para atacá-las; outras vezes ajo como os urubus que torcem pela infelicidade de suas futuras vítimas e fico à espreita. Muitas vezes sou o passarinho fugindo das garras do gavião.

Dizem que tenho o coração duro. Isso não sei dizer. Nem mesmo sei quem sou. Não tenho nome nem sonhos.
Nas ruas da cidade sou o eco da miséria, o pesadelo dos velhinhos indefesos, a sujeira das marquises, a mancha que suja de negro o futuro de um homem sem esperança. E como a velocidade da luz, faço vítimas com a voracidade de minha fome, e tão impiedoso quanto o meu destino são meus assaltos àqueles que, involuntariamente, dão-me o sustento de cada dia.

Meus pés descalços pisam a dura realidade dos asfaltos tortuosos da vida, e nos cruzamentos vejo o sinal de um futuro incerto, onde a candura da paz é sempre ofuscada pela noite sempre sombria de um menino de rua.

 
 

fale com o autor