JOANA
Beto Muniz
 
 

- VACA!!!

Xinguei e dei o tapa com raiva, mas não ouvi o estalo emitido pela palma da minha mão. O som breve e seco foi levado para o inconsciente e nalgum lugar da mente, meus sentidos despertaram um prazer antigo, gozado ainda menino, todas as vezes que papai matava porco no sítio.

Para os moleques da família o pernil suíno tinha a mesma consistência e volume dum corpo adversário, excelente para treinar os golpes certeiros, decisivos, daqueles capazes de definir uma luta na saída da escola. Por isso, enquanto esperava que os homens da casa retalhassem as carnes, separando gorduras, ossos e couro, o traseiro de porco, pendurado num dos galhos da mangueira, substituía as fuças dos inimigos imaginários - apanhava pelo Pedrinho, aquele fidumaégua. Meus primos treinavam murros e também me ensinavam a fechar a mão corretamente na hora de socar. O polegar devia firmar os demais dedos, os cotovelos levemente abertos e os ombros posicionados. O punho esquerdo servia para tirar a atenção do adversário enquanto o soco direito era arremessado forte, sem dó! Mas esmurrar o pedaço de porco não era meu passatempo predileto. Eu peguei gosto mesmo em estapear o quarto traseiro de suíno. A palma aberta, os dedos juntos, levemente arqueados para emitir som, a mão elevada pouco acima da orelha direita e sendo desferida num ângulo reto, descendente. Uma obra de arte! Eu tinha jeito pra coisa. O tapa gritava forte, o estalo doía na palma e a mão gozava, sentindo o tremor da carne gemendo, se abrindo e acomodando a agressão. Eufórico, recepcionando o frio estremecer do couro esbranquiçado a cada golpe desferido, eu batia, e batia, e batia.

O rosto branco da Joana estampava os contornos dos dedos e os vincos da minha mão. Era a primeira vez que eu batia numa mulher. Olhos arregalados ela ainda estava assimilando a agressão quando repeti o tapa. Eu nem lembrava mais o motivo da raiva, do xingo e do tapa inicial. O prazer tomara posse de mim e sobrepujara todos sentimentos e emoções quando minha mão afundou na carne quente, macia e aconchegante pela segunda vez. Dessa vez sem xingo! Só para confirmar que a cara da Joana era incrivelmente melhor de se estapear do que a bunda fria de um leitão. Redescobri algo em que eu era bom, eu ainda levava jeito. Eu quis, até pensei em repetir, sentir novamente a mão estalando gostoso na bochecha morna da Joana, mas não tive tempo.

- VACO!! - e a mão espalmada encheu minha cara de estalo, dores e calores.

Joana reagiu mais por susto. Estava tão surpresa, agoniada e assustada quanto eu, mas acredito que não foi a dor, nem a coragem, que a fez devolver o tapa e o xingo. Foi sua dignidade. Ela tinha essa coisa de equivalências, direitos iguais, dente por dente ou olho por olho. Tudo para ela tinha que ser nas mesmas condições... Mas eu já tinha pegado gosto! Durante um bom tempo, mesmo sabendo que Joana ia retribuir, eu metia a mão na cara dela.

 
 

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