TALENTO E SORTE...
Zeca São Bernardo
 

Setepeles era muito bom de conversa! Como qualquer malandro tinha sempre uma boa história para contar na frente do doutor delegado e do escrivão... tão boas eram suas desculpes e balizadas em elementos tão concretos que nunca dormira na cadeia uma única noite, tão pouco era fichado em algum artigo por algum delito consumado.

A bem da verdade considerava-se um malandro a moda antiga - como o avô - nada de drogas, nada de assaltos. Apenas pequenos golpes e a exploração dos favores de certas senhora de vida fácil. Nada demais.

Certa vez, no boteco de um amigo, sugeriram-lhe que se candidatasse a presidente da escola de samba do bairro. Já era diretor de bateria há uns bons anos e, coincidências á parte, em sua primeira incursão como compositor - justo naquele ano - seu samba enredo levara a escola a conquista do tão sonhado lugar no grupo especial da liga.

Pensou bem, pensou mais um pouco, pesou os prós e os contras e aceitou o desafio! Ganhou com uma margem esmagadora de votos. Desbancando Alípio, velho amigo seu, sete vezes presidentes da Unidos do Cabuçu.

Era agora o presidente Setepeles, perdão, Presidente Borba com "p" maiúsculo, exigia. Umas pequenas mudanças necessárias para o bom andamento da campanha da escola e obtiveram um inesperado terceiro lugar no carnaval daquele ano. E assim, dia após dia a confiança da comunidade no, então, Sr. Presidente Borba crescia. Num dos ensaios fora procurado pelo representante de certo partido político forte na cidade e surpreso submeteu a idéia de uma possível candidatura a vereador a diretoria da escola.

Pausa na bateria, parem o samba apenas um minutinho! Nosso presidente sairá candidato nas próximas eleições e precisará de nosso apoio - declarou entusiasmado no microfone certo diretor de harmonia. Sobre palmas e "vivas" da escola em peso ali presente saiu já filiado ao partido, pré-canditado e com orçamento garantido pela próxima festa do chope da escola.

É sorte, pensou! É talento puro para o teatro e magnetismo pessoal assegurou-lhe o diretor do partido. É a vontade de Deus! - disse-lhe o pastor da igreja da mãe! É a vontade dos orixás! - garantiu-lhe o pai de santo do terreiro que a tia freqüentava. É a vontade do povo nas urnas! - constatou o juiz eleitoral quando inperpetraram mandato para impedir sua posse. Após analisar o caso detalhadamente e na pilha de documentos apresentados pela acusação não encontrar absolutamente nada.

Feito presidente da escola, eleito vereador o que lhe faltava? Um grande amor, filhos, reunir a família toda para uma feijoada num dia de sábado. Sim tudo isso faltava-lhe, era certo e um dia estas conquistas viriam de maneira natural, pensava.

Enquanto isso via com responsabilidade suas conquistas: aproximava-se da comunidade - agora não só a da escola e sim entendia por sua comunidade a cidade inteira - e lutava por suas causas. Fossem perdidas ou certas, não abria mão de nenhuma.

Foi assim que surgiu o centro comunitário da Vila Olinda, uma ou duas creches. Quatro escolas de ensino médio e fundamental, duas cooperativas - uma de trabalho e outra de artesanato - a associação das vitimas da violência, a reforma do teatro municipal e tantas outras coisas... que contaram na eleição seguinte! Onde tornou-se o Senhor Prefeito Borba, agora exigia o "s" e o "p" em maiúsculas. Lutava pela implantação da primeira faculdade da região, asfaltava ruas, removia famílias das áreas de risco e aborrecia o senhor governador - que ele mesmo escrevia com letras minúsculas, minúsculas! - com inúmeros projetos de habitação popular.

Outra eleição vêm chegando e não sei se Setepeles - ainda teimo em chamá-lo assim, lembranças do tempo de botequim onde dividamos uma ou duas cervejas, disputávamos um eterno bilhar onde eu sempre perdia e ele garantia-me que não estava roubando - vai candidatar-se a governador! Só sei que se ganhar fará questão do "g" maiúsculo antes de seu nome e numa entrevista dada a certo jornalista lá da capital, que guardo a folha amarelada do jornal até hoje, declarou:

- O segredo do sucesso? Muito simples, dou-lhe a receita agorinha... muito empenho, muito trabalho. Nunca esquecer de sua origem e do seus e não deixar só a sorte guiar seus passos! Há de se ter responsabilidade com a própria felicidade e a dos outros. Mesmo vindo de família muito pobre construi minha história um pouco a cada dia. Confesso que tive lá meus erros... mas quem não os têm? O que importa é que decidi mudar minha vida e aproveitei a oportunidade que Deus me deu para fazer algo pelas pessoas! Só isso... e vê se escreve senhor prefeito com o "s" e o "p" maisuculos, meu filho!

 
 

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