AMADO
|
Vic Low
|
|
Amado era um sujeito de sorte. Tinha tanta, mas tanta sorte, que nunca precisou ter talento algum - ainda que alguns dissessem que o que ele tinha era justamente talento para ter sorte. De qualquer forma, Amado era aquele cara que, se mirava no bezerro, acertava no boi; e, se mirava no boi, era melhor sair de perto, porque o bicho que tombasse seria grande. Com uma sorte como a sua, Amado poderia ser milionário. Mas era discreto e comedido, não se deixava seduzir por luxos que o dinheiro lhe pudesse trazer. Ganhava a vida no cassino, clandestino mesmo, e sempre apenas o bastante para se manter com um mínimo de conforto e regalias. Não gostava do jogo do bicho porque achava que faltava charme. E não jogava na loteria porque não queria dar nem um tostão a quem insistia em atrapalhar sua diversão: - A gente tenta ganhar nosso dinheiro honestamente, apostando aqui e ali, sem fazer mal a ninguém... mas o governo vem logo e torna nosso ganha-pão uma contravenção! "Ganha-pão". Era como Amado pensava, era como Amado vivia. Foi a Las Vegas duas ou três vezes, mas não gostava de viajar. Achava aquele povo muito excêntrico e de língua enrolada. Queria mesmo era ficar no seu Brasilzão, batendo ponto como contraventor profissional - e de sucesso. Mas foi numa dessas que conheceu Diana, uma corista de segunda, ainda que deslumbrante, e que, encantada com a sorte de Amado, se mudou de mala e cuia para o sul do Equador. E foi por causa dela que precisou mudar alguns hábitos. Não que Diana fosse interesseira, mas era uma verdadeira perdulária. Amado, apaixonado, lhe dava tudo que pedia e não pedia, pudesse ele ou não arcar com os custos, afinal, sabia, bastava dar um pulo à a casa de jogos mais próxima. Um dia não bastou. Quebrou banca após banca, noite após noite, até que umas pararam de aceitar seus jogos e outras simplesmente fecharam as portas. Os bicheiros da cidade, sabendo da fama de sortudo de Amado e do que ele fizera com os cassinos, se recusaram a fazer negócio com ele. Então recorreu à loteria. Era mais do que ele queria, mas, se dependesse de Diana, não seria muito mais do que precisava. Teve que esquecer seu orgulho e jogou por algumas semanas, errando de propósito, para que ninguém achasse que havia algo de suspeito. Na quinta semana, acertou, em cheio e sozinho: "02 - 16 - 21 - 26 - 44 - 49". Duas semanas depois, foi chamado pela Polícia. Não tinha nada a ver com impostos devidos ou com enriquecimento ilícito. Amado havia fraudado o sorteio de uma maneira que só ele sabia. Como havia trapaceado em cada roleta, em cada mesa de bacará, em cada jogo de dominó. No fim das contas, a sorte de Amado era puro talento. Sorte mesmo, essa tinha acabado. |