TALENTO E SORTE
Luciene Lima
 
 

Esse vulto, preto e branco, anônimo e anacrônico, desenha com sua varinha de bambu, um anjo no chão barrento.

Quando nasceu, sua mãe não o podia criar. Foi adotado por família abastada. Criou-se à guisa de disciplina. Foi o melhor aluno, o melhor profissional e se julga um dos melhores cidadãos.

A cada dia das mães, abre seu diário. Ali, encontra a foto de alguém que lhe disseram ser sua mãe biológica. É um rosto humilde de olhos escuros, tristonhos.

Na figura da mulher que pede esmolas na esquina, o Anjo pensa no talento para ser o melhor, na sorte de não ser mais um. Será que aquela que ali esmola poderia ser sua mãe?

Se fosse, diria "eu te amo"? Ou agradeceria pelo ato de abnegação em abrir mão dele, seu filho?

Não sabe.

Anjos não sabem porque são feitos, como são feitos. Sabem-se apenas escolhidos. Num mundo tão incerto, basta ter a certeza de não ser contado com o gado.

Bate as asas, guarda a varinha de bambu e voa para seu próximo compromisso.

 
 

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