O MUNDO DE SUELEN
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Leila Silva
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Suzi, só de olhar já mete medo nas pessoas, uns olhos estranhos, esgueirados, parece o próprio diabo. Se for preciso, sabe se fazer de boazinha também. Está lá no quarto costurando, cuidadosamente, minhas lingeries, boa que só ela. Minha mãe, mãe mesmo, era uma louca que andava pelas ruas levantando as roupas, se exibindo, essa me pôs no mundo e a dos olhos estranhos me criou e me chamou Suelen. Como passei dos braços caprichosos de uma para os da outra, não sei, só sei que aqui estou. Juro que ela tem olhos de bruxa, um dia lhe disse isso e levei um baita tapa na cara. Devo ter merecido, afinal de contas ela me deu um teto e alguma orientação. Preparou para mim uma festa de quinze anos, vestido novo, sapatos novos, cabeleireiro e fotos. Foi há dois anos, um sonho. Talvez, bruxa mesmo seja essa vida de merda, esse lugar onde eu fui cair ou pode ser que eu seja louca como minha mãe verdadeira. É difícil saber todas as coisas e fico arrependida de pintar esse retrato de Suzi. Mas é que às vezes ela exagera. Não na coisa em si, mas no jeito de jogar as cartas. Está certo, sou meio namoradeira, mas dizer assim na bucha: 'olha é o seguinte, você anda por aí dando de graça mesmo, agora vai ser assim, você vai cobrar pelos serviços.' Escondi pra chorar. Podia, pelo menos, ter usado um palavreado menos dolorido. Às vezes penso até que nesses anos ela foi preparando tudo no seu caldeirão mental, colocando as ervas, imaginando, preparando meu corpo. Tanto é que implicou quando comecei a engordar e me mandou para o médico que me encheu de comprimidos até eu perder dez quilos. Aqui estou, esbelta, com longos cabelos negros que ela insiste em mudar para loiro. O passo seguinte é entregar-me para o velho, o Jorge, dele tenho que arrancar dinheiro suficiente para nós duas irmos para o estrangeiro, lá sim, se ganha dinheiro, pelo menos é o que ela pensa e já tem tudo planejado para mim e para ela. Arrancar dinheiro desse velho babão não vai ser muito difícil, faz alguns meses que ele vem me mandando presentes, Suzi se faz de cega, surda e muda, mas planejou cada detalhe, desde o início, a rua onde eu tinha que desfilar na frente dele, os horários que deixava o consultório, tudo. Ela sabe das coisas. Até consulta pagou pra mim. Cardiologista, tive que fingir uma disritmia e inventar um passado cardíaco para a família. Quer dizer, inventei tanto os corações quanto a família já que a única coisa certa é essa mãe louca. Afinal, quem pensa no coração aos dezessete anos? Eu não pensava. De qualquer modo o cérebro do velho está travado, nem imagina que pode ter uma suzi por trás disso. Melhor destino para mim não há, já decidiu. Deve ser assim mesmo, não acredito em príncipes encantados, encantado é aquele que pagar mais, mas ficava com uma certa vergonha de me arrumar, entrar numa mini-saia e sair de manhã com o único propósito de me exibir por onde ele passava tomando cuidado para que tudo parecesse coincidência. Quem sabe eu não devia tentar ser atriz? Já fiquei meio treinada depois dessa encenação. E como é que pode ter homem estúpido a esse ponto? Decerto que o fundo não presta mesmo, tem aquela cara séria, foto da mulher e dos filhos na mesa do consultório, mas quê, puro enfeite. No meu retorno ele já estava meio atrapalhado com o porta retrato, virando ele para a parede enquanto me mostrava um coração de plástico e explicava as suas baboseiras. Eu não vi nada disso, foi mamãe que observou e falou, pode ser também a imaginação dela, isso sobra lá naquela cachola. O importante é que no final tudo deu certo, como planejado. Outro dia ela disse que cada um nasce para uma coisa e eu nasci pra puta, tenho que ficar satisfeita e erguer as mãos para o céu - para o céu, imagine! - porque tenho um bom corpo e um sorriso convincente, levo jeito. A vida é estranha e cheia de surpresas, no meu caso são tantas que nem perco mais tempo me surpreendendo. Agora marcou no calendário o tempo que eu tenho para conseguir o dinheiro dos bilhetes, não é muito, mas prefiro assim, não suportaria aquele cheiro de velho por muitos meses. |