SIM, OBRIGADO
Eduardo Prearo
 

Bruno entrou no porão segurando uma vela, mas de repente percebeu a chave girando na fechadura, chave que não lhe deram. Surtou feio, gritando não e não. Por fim, acalmou-se, estava preso. Divisou uma mesa de madeira com duas cadeiras e foi sentar-se. Grudou a vela sobre a mesa e chorou um pouco. Comprara aquela casa havia três dias, estava talvez sendo assaltado. Não devia ter descido até ali. Urinou nas calças, sempre fazia isso quando tinha pavor. O silêncio imperava no porão até que a chave começou a girar lentamente...Bruno apagou a vela e escondeu-se embaixo da mesa. Alguma coisa aproximava-se dele e não era humana, pois parecia quente, parecia quente e reluzia.

--- Não tenha medo, destape os seus ouvidinhos.

Bruno, a muito custo, conseguiu olhar para o ser. Foi perdendo o medo porque viu que ele sorria um sorriso até que bondoso.

--- Não tenha medo, levante-se. Isso, isso.

--- O que é você? Anjos materializam-se?

--- Ah, esse seu desejo incoercível de fumar. Apague esse cigarro, vamos. Sou Jeremias. De mim emana luz, não precisaremos de vela. Sente-se, isso. Também quero me sentar. Pronto! Esta casa é mui antiga, pertenceu a mim no início do século passado.

--- Mas afinal o que você quer de mim? Não tenho muita cultura para compreender anjos ou...fantasmas...

--- Materializo-me quando quero através da poeira cósmica. Quero ajudá-lo. Há um tesouro sob este porão. Há ouro, diamante, pérola, todo o tipo de pedra preciosa. E também o requinte do trabalho dos ourives da época.

--- Ah, que camarada. E qual o seu interesse nisso?

--- Venha cá, me dê um abraço. Não, não, esqueça. Esqueça-se do amplexo. Estou guardando o meu tesouro e resolvi doá-lo para o senhor, livrando-me um pouco deste processo purgatorial. O baú está sob a mesa, enterrado. Amanhã espero que o senhor o desenterre. O senhor tem talento, gosto do senhor.

--- Talento? Só se for para persignar-me quando os sinos tocam.

--- É, é...Tem sorte pelo menos. Ficará rico, poderá ter uma dessas máquinas importadas velozes.

--- Ando a pé. Os transeuntes que vêm em minha direção sempre param defronte de mim. Querem passar pelo lado onde está o muro ou a cerca ou...Querem passar pelo canto.

--- Talvez passando pelo canto eles se sintam especiais. Adeus, meu caro.

O sol raiou e Bruno não dormiu um segundo sequer. Saiu do porão, aflito, para pegar os instrumentos e começar a escavação. Voltou rápido. Após três longas horas, encontrou o tal baú. Que felicidade! Abriu-o com dois tiros tamanha a ânsia. Jóias e mais jóias, jóias e mais jóias, jóias e mais jóias. De súbito, um homem entrou no porão.

--- Ouvi uns tiros, vim correndo. O quê? Um tesouro? São jóias do século dezenove, valem uma fortuna, senhor. Vamos chamar a polícia. Isso pertence ao governo.

--- Governo? Isso é meu e ponto final.

--- Não, não. Vou denunciá-lo. Nesta cidade...

--- Cidade desumana onde a indiferença é grande.

--- O senhor é um monstro, está surtando. Pare de surtar e acorde. Espere... Alô, alô, polícia?...

--- Ah.

--- Pronto, eles estão vindo pra cá. Mas não sejamos tão honestos, amigo. Que tal guardarmos uns diamantes?

--- Sim, está bem. Você sabe que eu estava cavando este buraco por intuição? Pois é, intuição.

--- Invente uma outra história porque eles vão querer saber direitinho o porquê de o senhor ter cavado um buraco. E intuição é coisa de maluco. Fale, por exemplo, que queria encontrar um cano e achou um tesouro. Sei lá.

--- Esta bem.

--- E com dinheiro, quem sabe não sejamos bons amigos, hein, senhor? Sou seu vizinho. A partir de agora podemos ter sempre alguma cumplicidade.

--- Sim, obrigado. Era tudo o que eu queria.

 

 

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