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Ubirajara Varela
 
 

Arrumei um emprego de merda. Sou agora uma espécie de secretariazinha dentro de concessionária de carros de luxo. Um homem encontra dignidade no trabalho. Eu, particularmente, tenho encontrado a degradação.

Mas o pior não é fazer uma atividade ridícula num ambiente detestável. O pior são as pessoas, e isso inclui amigos, parentes, irmãs, etc, enorme torcida contra mim, que cisma em dizer que sou um vagabundo. Tenho entalado no esôfago algumas espinhas de cobra que ainda não puderam alcançar o duodeno para serem devidamente digeridas. Meu pai diria aqui, são coisas do futebol amador de várzea! Minha mãe diria que ainda sou muito novo. Meu avô diria que o mundo dá suas voltinhas. Fecho hoje com o mais idoso: logo encontro um remédio para minha azia.

A minha irmã do meio faz parte deste time que parece ter me escolhido como saco de pancada, ou válvula de escape. Por exemplo: há alguns dias ela chegou até meu pai e sugeriu que ele me pressionasse para arrumar um trabalho. Cabe? Mal sabe ela do esforço que tenho feito para me recolocar no mercado. Acho que ela pensa que é minha mãe. Ou que tem o direito de invadir a vida dos outros. Ou ainda, e é o mais provável, que sua própria vida está tão arrasada quanto New Orleans pós Katrina, e por isso tem que encontrar suporte existencial na vida de quem está mais perto, pois não consegue enxergar o próprio umbigo, já tão inflado de seu ego. Não é à toa que ninguém suporta seu mau-hálito: ela pensa com o intestino e expele pensamentos pela boca ulcerada. E pipoquem aftas! É o troco que não desejei.

Pelo menos, no meu novo emprego, posso ficar próximo do meu sonho de consumo, minha Mercedes Benz, modelo E500. Se eu pudesse, largava tudo e saía pelo mundo sem rumo, atrás do volante daquela máquina. Quatro santos no altar ouviriam as minhas preces: Santa Velocidade, São Conforto, Santa Felicidade e Santo Socorro. Dai-me tudo o que eu tenho direito nesta vida, se é que vocês existem mesmo!

 
 

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