GERA.AÇÕES
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Thaty Marcondes
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Aos 5 anos, a professora, sentada ao piano da sala de estar, perguntou o que ela queria ser quando crescesse. Freira ou miss, to em dúvida. O pai foi buscá-la às 20 h. Encontraram a mãe caída no chão, em coma alcoólico. O pai largou sua mão e foi buscar socorro. Ela, antes perdida ouvindo aquela música chata, agora agüentava os vizinhos. Quer um doce? Está com fome? Posso dar banho em você. Fica calma, criança, sua mãe vai ficar boa. Os olhos vidrados na cena. Nenhuma lágrima, agora. Não sabia se queria que a mãe ficasse boa. Gostava do pai, mas só via ele à noite e aos domingos. Antes do aniversário de 7 anos, o pai perguntou o que ela queria de presente de aniversário. Ela quase falou, quando olhou pra mãe no sofá, com aquela cara de bêbada. Um passarinho pra soltar da gaiola, um batom e a chave de casa. Ah, e um punhado de carambola, fresca do pé. Ganhou um relógio pendurado numa corrente. Aos 15, sentiu de novo na casa aquele cheiro de bebida misturado com azedume de cebola e laranja. Se beber, compro um maço de cigarros e começo a fumar. Aos 20, foi morar com o pai, em outra cidade. Comprou vários vidros de perfume e tirou do nariz a lembrança da mãe. Pensou em liberdade. Resolveu ser freira, mas lembrou que tocava violão. Aos 30, parou de fumar, quando ficou grávida. A criança nasceu, a mãe bebeu pra comemorar a neta. Ela fumou a mãe. Aos 40, pai morto, pai da filha sumido, as três na mesma casa, partilhando a mesma pensão. Aos 80, a mãe não bebe. Aos 50, ela tem câncer no pulmão. Aos 20, a filha soltou o passarinho, comeu carambola, vendeu o relógio, pintou os lábios, jogou fora a gaiola, quebrou o violão e trancou a casa. |