NERVOS DE AÇO
Tatiana Alves
 

A semana fora especialmente difícil: após a longa espera no balcão de atendimento do hospital público, no qual na verdade não fora propriamente atendido, mas remarcado para três meses depois - se a doença fosse grave, talvez nem chegasse a retornar -, agora era a vez da justiça gratuita, mais uma das piadas de mau gosto que se contam ao povo.

Entregou o boleto na entrada, e foi encaminhado a uma sala na qual se amontoavam - sim, era esse o termo exato - cerca de trezentas pessoas. Sem critério algum - como ordem de chegada ou urgência no atendimento -, as pessoas eram nominalmente chamadas. Quando o caso parecia mais importante, o sujeito era conduzido a uma das salas, e lá desfiava mais uma conta do rosário de sua via-crúcis. Quando, por uma falha no processo de consulta, ou por um desses erros que parecem não ter um responsável, o processo ainda não estava ali ou havia caído em exigência, o indivíduo tinha seu atendimento feito ali mesmo, de pé, junto ao balcão, quando então era agendado para dois meses à frente, com a advertência de não faltar no dia marcado, sob pena de arquivarem o processo.

Aproveitou a situação para olhar ao redor, no maior desfile de mazelas jamais visto: pessoas visivelmente doentes ou idosas, mulheres empunhando filhos como bandeiras, na esperança de um atendimento mais rápido... Cada um com seu infortúnio pessoal - como o da senhora que descobrira dever um ano de IPTU por não saber(!) que possuía mais de um imóvel. Descobrira-o por acaso, ao tentar fazer a escritura de outro , ou o da moça que não sabia qual namorado acionar na ação investigatória de paternidade, pelo fato de ter três namorados diferentes.

O mais grotesco de tudo eram as risadas, como se o lugar e a situação surreal não estivessem mais adequados às lágrimas ou ao grito de desespero do que ao riso, solto e espontâneo, daqueles que dão vontade de agarrar o autor pelo pescoço e perguntar: Tá rindo de quê, imbecil???!!!

De tanto observar, ficou esquecido a um canto, e as horas foram passando, lentas, arrastadas... Sentiu seu sangue correr com menos força pelas veias, como que a poupar esforços. Sentiu seus braços endurecerem, talvez num reflexo da postura rígida e defensiva que geralmente adotava nessas ocasiões. Não apenas seus nervos, mas também seu peito parecia de aço, de um metal duro e inflexível, como o pensamento das pessoas que lhe haviam cruzado o caminho.

Tentando levantar-se, percebeu que estava imóvel, paralisado. Seus pulmões e coração estavam igualmente contaminados pelo metal, no cinza-bélico-frio que emanava do lugar.

Fechou os olhos, desejando que a morte lhe fosse simpática, e que, lá do outro lado, dessem-lhe uma senha para retornar ao mundo de Oz, sua imagem favorita... Lá, talvez, pudesse, como o Homem de Lata, receber novamente um coração...

 
 

fale com a autora