CARONA, BORBOLETAS E TAMARINDOS
Juraci de Oliveira Chaves
 
 

Apertava a folha de papel na mão. Buscava a inspiração enquanto olhava o cair da tarde, recostada num poste. Do outro lado alguém a fitava buscando um cruzamento de olhar. Ela despistava, fingia não ver. O dia animado com músicas se misturando em cada ponto de revenda de CDs pirata. E o lápis revirava entre os dentes sendo mastigado enquanto buscava algo impactante para escrever. Muito mote, nada que a agradasse. O pensamento entremeado de histórias. Tristes e alegres. Bons tempos aqueles. Hoje tudo é cibernético, automático, virtual, sem aquela singeleza que disparava qualquer coração. Como coisa de destino o dela dispara. Um carro pára em sua frente, a porta se abre automaticamente. Finge não ouvir a voz estridente e ao mesmo tempo agradável:

-Vai descer? Estou indo pro centro.

Não havia ninguém mais, só ela. Mira o cavalheiro e agradece o convite. Preferia ficar ali com seu mundo, mas aceita. Senta ao lado do motorista. No painel: "NÃO FALE AO MOTORISTA. NÃO FUME."

- Se incomoda se eu fumar?

-Não sabe ler? Sorriu nervoso apontando para o letreiro.

- Sei, só uma exceção!

- Sem exceções...

- Tudo bem - ela disse quase trêmula.

O carro corre e não sabe pra onde. Apenas corre.Entra por uma estrada selvagem, agora sem pressa. Pára num bar isolado, tudo em silêncio. Cochila o rapaz detrás do balcão ornado com moscas mortas e vivas.

- Uma cerveja, por favor.

- Não temos cerveja gelada, só quente e cachaça.

- Que seja, uma dose bem larga.

Pedro sentiu o cheiro da destilada no ar. Arrepiou-se e ofereceu à moça um pouco e ouviu a recusa. Jogou no chão um gole antes de beber, para o santo.

Acendeu um cigarro e ofereceu outro para a ela que andou um passo à frente como se dissesse não. Aqui a fumaça é livre, a paisagem não briga, não reclama desde que evite as queimadas, falava enquanto tragava e saboreava a nicotina.

A cor do sol havia desaparecido e eles estavam ainda sem rumo. Ficaram observando o mar de prata enfurecido. Parecia anunciar uma tempestade. Os olhos dela se perdiam naquela magia encantada. Viajavam pela paisagem ao lado, maravilhados com a beleza das flores coloridas e felizes, com o bailar das borboletas multicoloridas e alegres, com a canção das águas a bater nas enormes pedras silenciosas.

Cada onda, cada marulha em canção levava-a para algures distante. Pedro, ainda muito agitado, andando com pressa pra lá e pra cá, pensando em tudo que tinha para fazer, naquele final de tarde inicio de noite. Tarefas a contabilizar, chamadas telefônicas a responder e tantas outras atividades ainda pendentes e como louco, mudara a rota das coisas. Nem conhecia a moça que dera carona. Olhou para ela e percebeu-a em transe:

- Hei, estou aqui, acorda menina!

- Desculpe-me!

- No que pensava?

- Coisas insignificantes.

- Posso fazer parte dessa insignificância?

- ....

Francinne o ignorava observando as ondas matizadas, as nuvens naquele imenso céu azul, umas branquinhas outras turvas, umas voavam outras pareciam paradas, emboladas sobre elas mesmas. A brisa soprava levemente e movia seus pensamentos. Repentinamente Pedro pegou-a com violência empurrou-a contra o carro, beijou-a e com nervos de aço a fez baixar as armas da luta. Calados se amaram sob a escuridão que se adensava.

Depois, apanhou a chave do carro e deu partida. Eram mais de dez horas da noite quando retornaram sem uma palavra. Deixou-a no mesmo lugar onde a conheceu. E foi embora sem um adeus.

Quanta loucura, ela pensava sem arrependimento.

Meses depois, Francinne se olhava no espelho a transformação visível no seu corpo e sentia uma enorme vontade de comer tamarindo.

 
 

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