CARMINHA
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Felipe Tazzo
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Sentiu o ar frio da noite bater na cara pela fresta da janela do carrão importado enquanto cruzavam a avenida suja. Seu amigo é quem dirigia. Ele apenas observava a noite. Algumas poucas vezes olhou de relance para a pistola Glock sobre o painel do carro. E tornava a admirar a cidade. O silêncio pesava entre eles. A sensação que tinha em seu estômago era familiar. Mas era antiga, da infância e da adolescência. Aos 12 anos quando correu na escola a história que a Carminha queria dar para ele foi assim. Ele não poderia desistir jamais. No fundo ele sabia que o prazer que viria desse ato seria incrível. Mas seu estômago dava voltas, a boca secava e ele desejava lá no fundo que alguma coisa qualquer acontecesse para evitar toda a situação. Ele desejava que chovesse torrencialmente, que a mãe dela viesse busca-la na praça aos tapas, ou que a polícia o pegasse e lhe desse uma geral. Mas nada disso aconteceu e ele teve que se esfregar na Carminha atrás da árvore. E gozou deliciosamente. Mas a sensação de expectativa... Voltou de suas divagações. Olhou para a arma. Olhou para o amigo que notou o seu olhar, sorriu e voltou a atenção para a rua. O amigo dirigia muito mal, não poderia se dar ao luxo de desviar o olhar da rua. Por pura falta do que fazer abriu o porta luvas e começou a fuçar nas coisas dos outros. Documento do carro, manual, uns CDs, óculos escuros, balas. Nada de mais. Eram coisas dos outros. Era o carro dos outros. Encostaram numa esquina e observaram a rua do bairro de classe média alta. Faróis apagados, cigarros acesos. Tudo era tranqüilidade. A Glock pousada serenamente no painel, o ar frio pousava sobre a pele e os órgãos internos não paravam em lugar nenhum. Precisava disso. Queria isso. Desejava isso. Mas ao mesmo tempo desejava que os gambés dobrassem a esquina numa patrulha e eles fossem obrigados a voltar para casa, deixar para outro dia. Desejou também que chovesse torrencialmente. Desejou que a mãe de Carminha abrisse a porta e os tirasse do carro aos safanões e os mandasse para casa. Mulher direta aquela. Já devia estar morta. Isso faz tanto tempo... Um carro embicou no portão da casa, mas não era a polícia. Quando o portão se abriu, os dois carros estavam emparelhados lado a lado e a Glock fazia volume em sua mão. O metal retangular era frio e o cabo da arma era texturizado. Era ela toda preta. Preta como Carminha. Sob a mira da arma, o homem gordo e careca ergueu as mãos, desligou o carro e foi fazendo tudo o que lhe era mandado. Acordou a esposa e as duas filhas e até tentou fazer o papel de macho da casa, mas não por muito tempo. A pólvora é a lei. A arma agora já estava quente, da mão do homem e ele não lembrava de Carminha, da chuva ou da polícia. Depois da limpa na casa, seu amigo carregava o carro enquanto ele vigiava a família sentada na sala. Correu os dedos pela pele lisinha da bochecha da menina mais velha enquanto observava o pai contorcer-se com seu orgulho de protetor ferido. O jogo começava a ficar divertido. Desceu o dedo pelo pescoço da menina que ficara rígida de medo. O pai mexia-se no sofá. Pegou num dos peitos dela. Ela nada. Ele olhava com ódio e rangia os dentes. Pegou na coxa dela. De leve. Agarrou. Soltou. Só olhando o pai se retesar. Enfiou a mão no meio das pernas. Soltou. Sinalizou para ela levantar e ir até a cozinha. E sorriu para o pai que deu um pulo no ar e tomou dois tiros no peito. O amigo vem da garagem. - Ta nervoso, fio? - Nah. Tudo bão aqui. Saíram deixando pesadas grudentas de sangue no tapete. As três mulheres da família gritavam e se agarravam. Carminha, preta e morna aquecia sua coxa na noite fria. Tudo a gente aprende. |