O VELHO E O RELÓGIO
Vic Low
 

Ele se levantou com alguma dificuldade e já sem nenhum sono. Se por um lado as pernas não eram mais fortes como na primeira vez em que fez aquilo, por outro o organismo já se acostumara a sair da cama todo dia às quatro e pouco da manhã.

Calçado com chinelos de pano, não acendia as luzes: tateava as paredes para saber o caminho e experimentava com as pontas dos pés os obstáculos que se apresentavam no escuro. Ultrapassada a porta do quarto, seguia alguns metros por um corredor entulhado de quadros pintados por ele e livros escritos por outros, até que ganhava a ante-sala. Ali começava a enxergar alguma coisa, pois as janelas sem persianas deixavam que entrasse a luz da lua e dos altos postes espalhados pela orla. Abria-se então uma sala mais larga, repleta de poltronas, esculturas e imensos vazios. Na primeira parede, um grande e antigo relógio de madeira, com ponteiros de metal dourado e números romanos enferrujados, além de um imenso e brilhante badalo, tudo cerrado atrás de uma porta de cristal - ou vidro, ele nunca soube a verdade.

Parava diante do relógio por um instante, em absoluto silêncio, observando o movimento das peças, de um lado para o outro, ou numa constante circular. Eram quatro e dezenove e, de alguma forma, o relógio sempre marcava a hora certa. Abria, afinal, a porta transparente, não sem um rangido resultante de anos de existência e uso, e, com os dedos, forçava os ponteiros para trás, até que apontasse duas e sete. Fechava o relógio e, arrastando o pano dos chinelos, voltava para a cama.

Fazia aquilo havia doze anos. Esperava que, no dia em que ela voltasse, não tivesse se passado um segundo sequer.

 
 

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