HORAS PARADAS
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Tatiana Alves
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Meio-dia. Aquele irritante relógio parara novamente. Maldito camelô, pensara ela, antes de sacudir o pequeno relógio junto ao ouvido, na tentativa de fazê-lo trabalhar. Amanhã trocaria aquela bateria, que devia estar velha, apesar de o relógio ter sido comprado dois dias antes. Engraçado, pensou, não me lembro onde o comprei. Isso já lhe acontecera antes, de ter episódios e momentos completamente apagados da lembrança, e nem mesmo as informações eram capazes de a fazer recordar do ocorrido. Mas a tomografia fora normal, e o médico a tranqüilizara. Caminhou até o simpático restaurante onde às vezes almoçava, e notou, no caminho, um outro ambulante que vendia relógios parecidos com o seu. Sem hesitar, comprou outro, bem diferente do atual, como que para garantir que esse funcionaria. Acertou o relógio, calculando mentalmente o tempo gasto no almoço. Tempo curto, suficiente apenas para correr de volta ao entediante escritório onde trabalhava. Lá chegando, verificou, surpresa, que o relógio de ponto também marcava meio-dia, a mesma hora em que havia saído para o almoço. Bem, ninguém será descontado hoje, sorriu, maliciosa, um segundo antes de notar que a nova aquisição, cuidadosamente escolhida, acusava a mesma hora do outro. E assim foi com o da copa, o dos colegas, e até o da rua, que a essa altura também registrava a hora parada, numa estranha coincidência. Olhando o pulso, não percebeu nem mais o relógio novo, nem a marca do corte, fruto de suas aventuras pela cozinha no final de semana. Desesperada, correu até o hall do escritório, mas não havia mais nada ali. O forte cheiro de queimado invadia-lhe as narinas, indicando algum incêndio próximo, mas a essa altura nada mais importava. Sempre temera o fogo, e buscaria a janela mais próxima para escapar, se necessário... Tudo ficava nebuloso, enevoado, e até suas lembranças mais marcantes pareciam esmaecer na fumaça, no cheiro de queimado, no fogo que se aproximava... Impaciente, ele amassou outra folha de papel. A história era até interessante, mas o prazo era curto, e ele sentia-se andando em círculos, rodeando a idéia, sem contudo finalizá-la. Desisto, pensou, enquanto amassava a última folha de papel, antes de incendiá-la com a ponta do cigarro... |