HORAS PARADAS
Olga de Mello
 
 

O único lugar do mundo em que há tempo para sentir dores musculares, espasmos abdominais, o peso das pálpebras, a pressão da barriga lutando contra a força do tecido que a cobre e a segura no lugar. O silêncio existe, não é intenso, mas está presente. Para aproveitar, melhor chegar cedo e fingir uma discrição que não permita ao outro descobrir o que se acumulou de serviço.

Sonhar em fazer supermercado não é sonho, é vazio existencial de quem precisa ficar aqui para ganhar um dinheiro que não cobre as contas no fim do mês. Passar horas em completa paralisação de idéias, sorrindo para quem fala sobre um trabalho que não atinge a alma. Passar horas imaginando a vida besta de quem está em volta.

Sentir as fisgadas na cabeça, enxergar pontos negros, escrever incessantemente, fingindo, pretending, como é lindo este verbo em inglês, muito mais sonoro e poético do que em português.

O pescoço range, a garganta coça, bolos de ar passeiam pelo tronco opado. O encantador dicionário eletrônico sempre abre com vocábulos doces, animadores: "confraternização", "amizade", "simpatia", aplacando os dissabores, reduzindo a insipidez dessas horas que não evoluem, que não se transformam em passado, mas são o presente perene, imperecível, perpétuo, que jamais se dissolvendo, jamais se transfigurando em futuro. Ler o dicionário como se consultasse verbetes imprescindíveis para a transcrição de tarefas inócuas que os vizinhos cumprem ou simulam executar diligentemente. As bolas de ar comprimem o esôfago, sopros de vento inundam os olhos. O sol se escondeu, o amanhã chegará daqui a pouco.

 
 

fale com a autora