UM GATO NA COLEIRA
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Luís Valise
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Tem gente que acha que pode tudo, e o Salmoura era um desses tipos, Diretor casca-grossa, pisava sem dó na raia-miúda, berrava ordens, xingava palavrões. No chão que ele pisava nascia silêncio. Por isso, quando a Marília, sua secretária (gostosinha, ela) me disse "O Salmoura tá te chamando", fiquei puto e preocupado em doses iguais, mas não perdi tempo, e fui rapidinho: - Pois não, Sr. Moura. O cara continuou trabalhando de cabeça baixa, me deixou esperando um tempão ali, em pé na frente da mesa, com cara de besta. Até levantar a careca: - Angenor, quero que você me faça um favor. (Só o fato de falar "favor" mostrava que se tratava de algo extraordinário. Fiquei de orelha em pé.) Dona Darlene está com problema no computador lá de casa, e eu precisava que você fosse ver o que dá pra fazer. Quando você pode ir? - Quando o Sr. mandar. - Então vá agora. Obrigado. Um "obrigado" cerimonioso, como se fosse uma condecoração. Passei pela mesa da Marília (tesãozinho), ela disse "E aí, levou bronca?" Fiz suspense, olhei bem nos seus olhos brilhantes, "Que nada, ele me pediu um favor, e ainda agradeceu antecipadamente." Ela ardeu de curiosidade: "É? Que favor?" Aumentei o suspense, peguei sua mão (eu sou louco pela Marília) e sussurrei "Depois eu conto". Depois que te comer, pensei. O Salmoura morava em bairro de bacana, prédio com sacadas que iam de fora a fora. Dois sujeitos da periferia, de terno preto, parados ao lado da guarita do porteiro. Apertei o botão do comunicador: - Dona Darlene, apartamento cento e trinta e um. Diga que é o Sr. Almeida, técnico de computador. O porteiro pediu minha identidade e falou com a empregada pelo interfone: "Tem um tal de Angenor pra falar com Dona Darlene. Pode subir?" Se não fosse pelos dois pés-de-chinelo me vigiando eu mandava ele tomar dentro. Angenor é o caralho! Tenho a maior bronca desse nome, parece pomada anestésica. - Pode entrar. A identidade fica aqui. (Vai ver, eu também tenho cara de periferia.) O elevador pára num pequeno hall com chão de mármore. Antes que eu toque a campainha, a porta se abre, uma empregada uniformizada me faz entrar, "Um momento, que Dona Darlene já vem." A sala é grande pra caralho, cabe umas duas Cohab. Nem deu tempo de reparar mais, Dona Darlene chega, sorridente, simpática, o oposto do Salmoura: - Não precisava vir tão depressa, Angenor, você foi muito gentil. Venha, o computador está aqui na salinha. Fui atrás dela pelo corredor. Ela vestia calças jeans justas, e tinha uma bunda de cinema. Os pés calçados em sandálias de tiras e salto alto afundavam no tapete macio, e ela gingava com classe, papa-fina. Na tal salinha tinha uma escrivaninha com o computador, uma cadeira confortável, um sofá de dois lugares, uma televisão, um abajur, uma prateleira com livros, e três quadros de gatos do Aldemir Martins. Fiquei olhando os quadros. - Você gosta do Aldemir Martins? - Desculpe, eu não... Gosto. Só conhecia de ver em vitrines, ou revistas. É a primeira vez que vejo assim, na casa de alguém. Enquanto eu falava, a via de frente, parada ao lado do computador. Vestia uma blusa decotada. Bem decotada. Os seios eram juntinhos, e faziam um reguinho que devia ser muito macio e muito suave. Acho que meu olhar se demorou por ali mais que o recomendável. Tornei a olhar seus olhos e senti que ficava vermelho. Ela sorriu, e quis saber por que meu nome era Angenor, um nome incomum. - Meus pais eram fãs do Cartola. Ela tornou a sorrir, e eu fiquei ainda mais vermelho. - O computador travou, ela falou, enquanto se sentava na cadeira e batia algumas teclas. Me aproximei, e olhei seu peitos dentro-fora do decote. Pareciam dois gatinhos dormindo, redondinhos, quentes e macios. - Angenor! - Sim, senhora, tô tentando ver qual é o problema... - Sei! Eu vi muito bem o que você estava tentando ver... Senta aqui e conserta essa droga. Sentei na cadeira e fiquei vendo o monitor vazio. Acho que eu estava numa espécie de transe. Ela perguntou se eu aceitava um café. "Não precisa se incomodar". Saiu da salinha. Recuperei os sentidos, dei um boot no bicho, e comecei o trabalho. Ela voltou, colocou uma xícara de café ao lado da máquina, sentou-se no sofá defronte a escrivaninha e ficou me olhando. Não desviei meus olhos do monitor nem por um segundo. Sabia que ela estava com as pernas cruzadas, o pé com unhas pintadas de vermelho suspenso no ar, quase ao meu alcance. Tudo parecia congelado num quadro suspenso na parede. Eu era um gato do Aldemir Martins parado no tempo. Dei uns goles no café, sem olhar para ela, e depois de algum tempo o aparelho estava destravado. - Pronto, Dona Darlene, pode usar o computador. Levantei da cadeira e afastei-me da escrivaninha. Ela levantou do sofá e sentou-se na frente do computador. Executou alguns comandos. Chamou-me pra perto: - Vem cá, Angenor, fique do meu lado. Dei alguns passos e voltei para a beira do decote, gozando a vertigem de olhar o abismo. Ela falou sem me olhar: - Você pode me ensinar a mexer com o Excel? Curvou o corpo em direção à tela, e a blusa se abriu um pouco mais. Quase vi os bicos. Gaguejei: - Excel... Eu acho... Posso... - Então está bem, te espero amanhã, lá pelas três. Vou falar com o Moura pra te liberar todas as tardes, até eu aprender. Levantou, pegou-me no braço e me levou até a porta da sala. Esperou o elevador chegar no andar, e me segurou quando eu ia entrando: - Posso te chamar de Cazuza? - O Cazuza era "Agenor". - Eu sei. Mas você tem a cara dele. Posso? Eu não disse nada, só fiquei olhando aqueles peitos, até a porta do elevador se fechar. Passei direto pela portaria, o porteiro chamou "Ei, a identidade!" Voltei e peguei o documento do Angenor. No dia seguinte fui trabalhar com minha melhor roupa. Até passei um pouco de perfume. No meio da manhã, a Marília chegou perto da minha mesa: - O Salmoura tá te chamando. Depois você me conta o que ele quer? - Pode ser, Marília, pode ser. Ela me deu uma piscadinha e voltou pro seu lugar, com aquele rebolado que, pensando bem, não tava com essa bola toda. |