CHRONOS
Leila de Barros
 
 

Horas lânguidas e extensas recaem sobre mim como marolas que afagam esporadicamente a areia, em orgasmos cíclicos.

Horas de dúvida, que se transformam em bruma e se esvaem ao contato com a realidade, que chega como um raio partindo o cristal.

Não distingo mais o real do imaginário, nem carrego comigo essa pretensão pesada. As horas caminham como nos trens de periferia, anestesiando olhares e bocas, enquanto as mentes e as malas viajam.

São horas nuas que passam simplesmente e posam nos outdoors. Os ponteiros devassam os corpos vestidos e as mentes sequiosas de ética. São horas temerárias ou horas virgens que perseguem e se deixam perseguir.

Deixo-me ficar assim observando-as, sem o tique-taque do relógio, sem o ciclo dos carrilhões, minhas horas são soltas e livres.

Horas que se alongam e se estiram como aço que segura corpos no ar. Horas que suportam um salto de trapezista vindo da ponta de uma estrela. Horas possuídas, sem resistência e nem dor. Horas vorazes que passam como furacão, tirando as identidades e devolvendo-as na forma de passaporte, para que se transformem em vagalhões sobre rochas.

Horas sístoles e diástoles, fusas e semicolcheias, horas de pausa, sem eco e nem diapasão. Minhas horas são mediterrâneas e fortes, como cavalo árabe, como o atavismo mouro.

Podem ser horas frias que desaparecem como estátuas de gelo ou fugidias como areia guardada na palma da mão. Horas fogosas e quentes como o poente tropical que tinge o céu de dourado, derramando desejos e sorvetes de massa fina.

São horas grafitadas e politicamente pontuais. Nem uma badalada fora de compasso. São minutos decifrados ao luar, horas de prata.

Horas estradeiras e selvagens, buscam sempre um paradeiro e um cavaleiro veloz.

Horas estrategicamente não planejadas, porém atualizadas, mas sempre horas a esmo. São minhas, porém compartilhadas, ouvidas ao longe, com o rugido de Chronos.

Que não sejam horas paradas, imobilizadas. Sejam elas, eternamente vívidas, tocadas em pianíssimo e temperadas com condimento indiano moído, para que desçam com suavidade pela ampulheta.

 
 

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