UM AMOR PARA SE GUARDAR
Felipe Tazzo
 

Não foram horas paradas, foram dias parados. E ele lá, todo bobão, rindo sozinho, no silêncio do seu quarto. Como era bom conseguir fazer o tempo parar!

Ele e ela eram amigos assim do começo da adolescência, se conheceram aos 13, 14 anos. Moravam no mesmo bairro. Descobriram que tinham os mesmos gostos e ele se apaixonou tanto, mas tanto, que mal conseguia larga-la. Talvez ele nunca tenha se declarado, mas nem precisava. Era visível. Mas a amizade parecia maior. Para ela pelo menos. Ele ouvia suas histórias com outros caras e até dava conselhos. Sim, era o brando amor livre de posse... Lindo como todo amor deveria ser.

Alguns anos mais tarde calharam de frequentar o mesmo colegial. A paixão desemensurada estava guardada, mansa, como o amor de dois velhinhos. Não havia mágoa, ciúme ou posse. Ele não queria perder a pequena chance de arruinar aquela amizade e transforma-la em namoro, ela simplesmente não conseguia confiar em mais ninguém. E era tão fácil estar perto dele...

A faculdade finalmente dividiu-os. A maré da vida havia simplesmente soprado os dois em direções diversas. Mas aquele amor de águas mansas represadas continuava lá. Inerte, bruto, porém ainda morno. E doce. Como era doce lembrar dos livros divididos, das conversas na sarjeta... Um amor para se guardar. E por que não guardar? Por que odiar os namorados dela se ele poderia saborear cada memória? E por que não guardar o rosto dele no fundo da alma? Aquele porto seguro, um menino bonito que parecia estar pronto para qualquer coisa que a vida pudesse trazer.

No fim da faculdade eles voltaram a se encontrar. Tudo era diferente, muito diferente. Não havia mais aquela conversa recostado numa árvore no bairro onde cresceram. Havia um convite pra sentar num barzinho elegante. Uma coisa chique. As calças jeans rasgadas foram trocadas por calça sociais, sapatos pretos, camisa para dentro e... Nossa! Ele abriu a porta do carro para mim! Os cabelos longos também haviam mudado... Ele estava perdendo cabelos, tadinho. Como ela está bonita, está mais encorpada. Mas os olhos azuis continuam azuis...

E então ela se forma. Ele se forma. Eles se conversam. Como é difícil o começo de vida, é, é muito ruim, mas vai valer a pena, vai sim, é nossa vez chegará. Puxa mal posso esperar, nem eu. E quais os planos, bem acho que eu vou pro Canadá. Pro Canadá? Quanto tempo? Quando? Como você vai? Bom, é que saiu uma bolsa, e meu orientador...

No apartamento dela as duas grandes malas estavam abertas em cima do sofá, abarrotadas de roupas. Era quase tudo o que ela tinha. Na cozinha, a louça suja da festa de despedida da noite anterior. Lá fora os carros vagavam pelas avenidas como ondas do mar. E lá dentro dele os sentimentos se debatiam como uma tempestade. Ela pegaria o avião em 8 horas.

- Você acha que eu devo levar esta ou... O que foi?

Ele em pé na sala olhava mudo as malas. Nunca havia visto as lingeries dela. Mas gostaria muito de ter-lhe tirado a roupa e visto aquelas peças. A calcinha preta sobre a pele tão branquinha...

- Nada... não foi nada. Leva esta aqui. - e apontou.

Mais sentimentos revoltosos dentro dele. Eu acho que eu deveria estar triste. Mas não estou. Eu deveria estar feliz por ela ter conseguido a oportunidade, mas não estou. Deveria estar com tesão por imaginar ela naquela calcinha, mas não estou.

E eu vou deixa-la simplesmente ir embora? Assim? Não vou chorar? Brigar? Me desdobrar em galanteios e juras de eterno amor?

Enquanto arrumavam o que restava das coisas, ela imaginava que o que realmente queria era dobra-lo e enfia-lo na mala, para cuidar dela no frio canadense.

Calcinhas, ok. Roupas de frio, ok. Roupas de calor, ok. Documentos, ok. Passaporte, passagem, dinheiro canadense, travelers checks, ok, ok, ok, ok. Arquivos mais importantes do computador em CD, ok. MP3, ok. Malas fechadas. Eu não tenho como te agradecer pela ajuda que você me deu aqui hoje. Ah, tem sim...

- Eu-eu-eu queria te pe-pedir isso fazem, quer dizer, faz 14 anos. Por que você não me dá um beijo?

Tem duas coisas difíceis de acreditar nessa hora. Uma delas é a coragem de colocar isso pra fora. A outra é ela sorrir com o pedido.

- Você quer um beijo?

Não houve resposta. Ela se aproximou, inclinou a cabeça para cima e colou os lábios no dele. As mãos dele circundaram suas costas e a puxaram mais perto. Aquele peito largo e quente, aqueles lábios finos... Perfeito.
Ela se afastou. Prudência. A amizade havia voltado.

Naquele momento o tempo parou. E o sorriso bobo no rosto duraria a semana inteira.

Um dia ela volta. E o amor lá, imenso como uma grande represa, plácido, sóbrio...

 
 

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