HORAS PARADAS

Clarice Villac

 
 

Era hoje que seu filho chegaria.

Depois de seis meses no boot camp, afinal voltaria para casa.

Ao abrir os olhos de manhã, este foi o primeiro pensamento que cruzou sua mente.

Francisco, brasileiro vivendo como cidadão norte-americano já há quinze anos, experimentava mudança de perspectiva, afinal. Este último semestre estava sendo atípico.

O american way of life, cujo fascínio norteara seu destino, desta vez se mostrara tão ameaçador como a falta de perspectivas que havia deixado para trás ao abdicar de sua origem latino-americana.

Francisco Jr. voltava hoje.

Estaria endurecido no semblante cotidianamente amorfo ? Seus olhos trariam o menino de volta ou estampariam a empulhação mítica do herói norte-americano combatente do terrorismo internacional ?

Teriam os acordes do Metallica se dissipado completamente, restando apenas a ideologia Rambo ?

Francisco ouvia em si as notícias sobre o Vietnã ecoando por sobre o café da manhã, em pleno século XXI... era muita loucura, ele um jovem brasileiro que gostava dos Mutantes e do Tropicalismo, agora refém da ideologia imperialista, a mostrar seus efeitos na confusão de valores que culminou na escolha de Francisco Jr, de se alistar espontaneamente no treinamento militar dos EUA...

Insensatez...

E assim ficou Francisco, horas paradas, coração descompassado, era o dia em que seu filho retornaria, quais seriam seus projetos, haveria perspectivas de vida boa, digna, justa para ele ?

Até que ponto o olhar penetrante do Tio San havia se imiscuído em sua vida, como poderia ele, Francisco, conversar com o menino que foi um dia, com a namorada que teve na adolescência, com os amigos de filosofia hippie, com sua mãe tão amorosa e que criou sozinha e viúva, a ele e seus cinco irmãos, como iria ele voltar ao seu país de origem e encarar a irmã que havia escapado do Congresso de Ibiúna em 68?

Horas paradas...

Francisco palmilhava suas emoções e referências afetivas desde pequeno, e nada combinava com esse boot camp...

Horas paradas... em meio ao american way of life havia campinas, cogumelos, vaga-lumes, tudo pulsando, e Gal cantando "Índia, da pele morena, tua boca pequena, eu quero beijar..."

Horas paradas... como retornar ?

 
 

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