EMBAIXO DO TERNO
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Zeca São Bernardo
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Tudo perfeitamente alinhado! Tanto garfos, como facas, copos e taças dispostos na mais absoluta perfeição. Deixaria com inveja tácida a qualquer professor de etiqueta. Não era só a mesa bem disposta que primava pela organização na casa de Joaquim... pelo contrário, era só mais um item distinto que somava-se ao conjunto harmonioso de seu lar. Janelas limpas, correspondência sempre em ordem disposta sobre a velha escrivaninha em ordem de chegada. Toalete devidamente higienizado, toalhas alvas de brancura disposta nos ganchos dourados e polidos (bem polidos por sinal) atrás da porta do mesmo. A estante com seus livros em ordem alfabética impecável, autores só teriam suas obras ali inclusas após criteriosa análise de seus trabalhos, caso contrário eram convidados a retirar-se para o velho sebo ali próximo. Não via-se nem um pouco de pó sobre nenhum móvel. Da cozinha partia o admirável aroma do repasto que preparava para a nova namorada, picara as ervas com a perfeição que o prato exigia. Champanhe gelado no ponto certo já no balde sobre a mesa. Restava-lhe um último olhar no espelho e alguns retoques! Não, não sou feio, pensou! Ao admirar os cabelos loiros, os olhos azuis, o sorriso elegante sem ser nem sincero demais tão pouco canalha. O terno impecável, passado á vapor na lavanderia e tintura mais cara da região. Podia-se, até, contar as linhas da risca de giz. Mesmo assim, ano após ano, Joaquim enfrentava o velho problema de conseguir casar-se! Já iam-se e rápido seus trinta anos. O medo da solidão, de terminar seus dias sozinhos fustigava-lhe a alma. Deu um ou dois tapinhas no rosto só para conferir se a barba estava bem feita. E concluiu que nada daria errado daquela vez! Não, não é bem assim... murmurou para si mesmo enquanto olhava no espelho. Como se seu reflexo estivesse disposto á ajuda-lo com o antigo problema: há anos Joaquim tinha a estranha mania de usar calcinhas! Longe de ser uma simples tara ou hábito, sentia-se perfeitamente confortável enfiado nas rendas sempre pretas suportadas pelas ligas vermelhas. E isso afastava, sempre, quaisquer pretendente. Rapaz sério e trabalhador, estudado e culto, mas "estranho" segundo as meninas do bairro. Onde já se viu? O sujeito comprar dúzias e mais dúzias de calcinhas e ligas e morar sozinho... nem mulher têm! - comentava as malvadas línguas. Conhecera Isilda no trabalho, morena linda de cabelos negros que o inspirara até alguns bons poemas. Tomado de coragem investiu meses até conseguir um pequeno passeio pela praça próxima ao serviço e outros tantos meses para uma sessão de cinema. Isilda parecia resistir-lhe firmemente, quase desistiu! E com um sorriso no rosto e muita surpresa recebeu a confirmação de que a moça jantaria em sua casa na próxima Sexta-feira. Agora não tenho como voltar atrás - disse baixinho. Logo no primeiro toque da campanhia atendeu a porta, dois ou três beijos no rosto. Garrafa de vinho chileno de presente... tem bom gosto, pensou, não é o vinho que eu compraria! Mas vá lá que têm muito bom gosto! Sim, Isilda tinha muito bom gosto, sentou-se como uma princesa e degustou o peixe como uma rainha. Até ajudou Joaquim a preparar o sorvete frito a moda japonesa de sobremesa. A mulher ideal não escaparia-lhe, jurou para seus botões marrons e lustrados. Fim do jantar, fim de noite, reuniu toda coragem que ainda tinha e deu-lhe um beijo... foi correspondido! O hálito suave da moça refrigerava a mente e acendia-lhe outras tantas coisas. - Não posso... desculpe-me, mas não posso! - disse-lhe Isilda, já dirigindo-se para a porta em lágrimas! - Por que?- questionou, Joaquim, segurando a moça firme mas delicadamente pelo braço! - Vou contar-lhe, mas peço que não tenhas nojo ou medo de mim! - disse-lhe entre um soluço e outro - ninguém entende, nem mesmo eu... começou na minha adolescência e daí nunca mais parou! Uso cuecas e não calcinhas!! - Como?- inquiriu Joaquim sobressaltado! - Sabia que não ia entender! - retrucou a moça enquanto levantava-se mais apressada do que nunca. - Não, não, espere...eu entendo sim - confessou-lhe Joaquim! - Como assim? - não vai rotular-me de nada? Não sou homossexual, garanto-lhe. Mas sinto-me mais confortável em cuecas de algodão do que enfiada nas calcinhas tão apertadas e de rendas. Pinicam a pele e... Com um gesto Joaquim pediu silêncio a moça e depois de alguns minutos explicou-lhe seus problemas com a s mulheres e de onde vinham. No começo Isilda achou que era algum tipo de brincadeira dele, depois ao vê-lo nas ditas rendas e ligas que tanto a incomodavam pensou: Por que não? A noite acabou rápida consumida pela paixão dos dois, paixão esta de muitos amores perdidos, carinhos negados e sonegados que transformaram ambos em ávidos amantes. A noite acabou rápida, insisto, só para deixar bem claro que ali começou uma nova vida a dois e hoje os arrumadíssimos armários da casa de Joaquim guardam esta peculiaridade: no lado dele ternos, camisas de manga, gravatas, meias e suas preciosas e rendadas calcinhas (não nos esqueçamos das ligas, Ah as ligas...) do lado dela vestidos para todas as ocasiões - em sua maior parte rosa ou verde, meias finas, bolsas e cuecas de algodão. Do mais puro algodão... |