PAPAGAIO DE PIRATA
Tatiana Alves
 

Descobrira que o telejornal local sempre realizava as entrevistas no mesmo lugar. E lá ia ele, feliz da vida, em busca de seus quinze segundos de fama. Posicionava-se bem atrás do entrevistado, e ficava com aquele ar falsamente intelectual, como se refletisse sobre o assunto em pauta. Bastava, contudo, que a câmera se deslocasse um pouco, para que ele mostrasse que a sua preocupação, de fato, resumia-se a conseguir aparecer na tevê. Nesse ponto, diferenciava-se do popular típico, que acena para a câmera ou bota chifrinhos na cabeça daqueles que estão à sua frente. Como já disse, assumia uma postura séria, compenetrada, como se estivesse ali por acaso e prestasse atenção ao que se dizia.

Não era, contudo, casual a sua imagem na telinha. O jornal era transmitido ao vivo, fazendo com que ele soubesse com exatidão onde e quando os repórteres surgiriam. Buscava o melhor ângulo, e sentia-se tão dono daquele espaço que chegava mesmo a repreender quem porventura ficasse de brincadeiras, atitude que quebrava a imponência do momento. Não tolerava que outros lhe roubassem a oportunidade, e não faltava ao trabalho um dia sequer.

Com o passar do tempo, foi sofisticando sua aparição. Comprou um celular, para falar enquanto aparecia no jornal. Não se sabe se ele simplesmente fingia falar com alguém ou se realmente ligava, para avisar aos conhecidos que estava na tevê. Sentia-se um astro. Nada mais faltava em sua vida.

De tanto aparecer bem atrás do entrevistado, era natural que seu rosto fosse generosamente enfocado pela câmera. E, ainda que a impaciência do cinegrafista o fizesse tentar desviar o foco do intruso, ele colocava-se de tal forma que era impossível não o mostrar.

De tanto aparecer, ficou conhecido. E de tanto ser visto, sentiu-se na obrigação de se trajar melhor. Ainda que fosse camelô, agora só usava terno e gravata. Exótico, ficou conhecido como o ambulante de beca por seus pares. E de tanto ser observado, passou a ser reconhecido em seu meio e a distribuir autógrafos. Sua vida estava completa.

Entretanto, tanta sofisticação fez com que ele quisesse mais. Começou a ler, na tentativa de entender os assuntos abordados. E tanto leu e pensou, que sua percepção tornou-se mais aguçada. Seu senso crítico acentuou-se, e ele percebeu o papel ridículo que fazia. E assim o popular mais popular da área desapareceu, trazendo uma certa saudade àqueles que já haviam, de algum modo, se acostumado ao seu rosto no vídeo. Morrera o simplório transeunte. Nascera o cidadão.

 
 

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