DE MÃOS DADAS COMIGO MESMA
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Lady Lazarus
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Deitada com a face voltada pra cima, mãos postas sobre o peito, indumentária própria e flores em sua volta a margear-lhe o corpo. Dentro dum esquife negro e de mãos dadas consigo mesma, ela jazia em seu sono permanente, ladeada pelos parentes mais próximos, estes entregues às lágrimas e apelos de saudade. Cá me perguntava: é assim mesmo que se morre? Pra onde ela vai? Deve ser escuro e quente aí dentro! Perguntas, dúvidas e auto-respostas me faziam pensar naquele dia. Maquinava com minhas fabulosas conclusões a respeito do que acontecia. Isenta de emoções, observava a tudo e a todos com a fria pureza da inocência pueril que revestia-me os tenros anos. Calar o pranto de todos não poderia. Nem fazer-lhes me responder. Aos que arriscava questionar, ouvia respostas diferentes para a mesma pergunta, que os contradiziam entre si e eu acabava por refutar aquelas débeis explicações. Estava no quinto ano de vida, diante de uma inestimada e rica primeira impressão e experiência a respeito do que seria o momento da morte, de como fazíamos quando alguém perto de nós dormia e não mais acordava. Era arriscado falar. E eu quase nunca falava. Só olhava. Era tanta gente estranha e desconhecida... O cheiro da parafina que queimava incessantemente, o terço que era rezado a todo instante, as orações do pároco da região... Todos esses sons povoaram durante muito tempo minha idéia de morte, ao lado de todas as fantasias indizíveis que me rodeavam e narravam o significado de se chegar ao fim. Não era medo o que sentia, apenas ímpeto de compreender o que se passaria, invariavelmente, a todos. Seria assim comigo também? E minha mãe? Cultivei hábitos pouco comuns a partir daquele instante: o de pensar no fúnebre - não como algo grotesco e mórbido, mas como precoce sentimento de finitude. E até hoje, nos meus sonos provisórios, reproduzo parte daquela imagem refletida em minha memória: face voltada pra cima, mãos postas sobre o peito e entrelaçadas consigo mesmas... É uma imagem da solidão, sentimento de estar sozinha num caminho que tenho de trilhar. E mesmo estando entregue a meu sono noturno, com a promessa do despertar, penso ser este o último e início de minha solitária partida. |