MANIA
Cristina Del Nero
 
 

Mesmo antes de se casar, Clélia tinha mania de escrever bilhetinhos para o namorado. Punha no papel tudo o que pensava: vira e mexe, Carlos encontrava um Estou com saudades em seu bolso, um Eu te amo na carteira, e coisas até mais íntimas, que ele lia e relia.

Depois do casamento, os bilhetes continuaram. Na porta da geladeira sempre tinha uma mensagem carinhosa, com alguma informação útil. Sua vitamina está na geladeira ... adoro você. Depois do amor, era comum Carlos encontrar pela manhã críticas construtivas sobre o seu desempenho. Porém, os anos foram passando e vieram as crises. E junto com elas, apareceram os defeitos. Toalha molhada em cima da cama, roupas no chão, jornais espalhados pela sala. Tudo era motivo para mais um bilhete, que de apaixonados, se transformaram em avisos, regras e ameaças.

Na porta da geladeira, o bilhete foi escrito em letras garrafais: Não beba água direto da garrafa. É para isso que servem os copos. No banheiro, tinha um Não se esqueça de abaixar a tampa do vaso, um Pendure a sua toalha e até um Lava a mão, seu porco. Também tinham os bilhetes ocasionais, como Aquela cueca que estava no chão, agora está no lixo, ou, Parabéns, o jornal de hoje já foi reciclado.

E de bilhete em bilhete, a solidão instalou-se entre eles, principalmente porque Carlos jamais escreveu um único bilhete sequer. Até o dia em que Clélia acordou e se encontrou sozinha no quarto, rodeada de bilhetes pregados nas paredes. Todos com o mesmo conteúdo: Cansei.

Levantou-se correndo. No banheiro não conseguiu ver sua cara de espanto. O espelho tinha dezenas de mensagens iguais às do quarto.

Abriu o guarda-roupa, agora sem nenhum vestígio do dito cujo, a não ser por mais alguns bilhetes. Sentiu uma dor profunda. E agora?, ela pensou. Sem o marido por perto sua vida perderia o sentido. Não teria mais motivos para escrever. A não ser para ela mesma.

Retirou todos os bilhetes deixados pelo marido e substituiu-os por palavras de ordem, do tipo, Pense positivo, ele vai voltar. Mas o silêncio era mais poderoso do que todos os pensamentos positivos. Sentia falta do futebol na TV, dos discos de jazz, até dos seus roncos ela estava com saudades.

E nunca mais na vida ela ouviu falar dele. Até hoje ela sonha com ele voltando pra casa, com um buquê de flores e um bilhete: não consigo viver sem você.

 
 

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