CAFÉ DA MANHÃ ©
Cármen Rocha
 
 

O inverno estava chegando para aquela bela mulher...

O toque do sino do Mosteiro de S.Bento ecoou na praça e aos poucos penetrou no quarto desarrumado e cinzento, como ela mesma. Mexeu-se na cama. A fumaça, as cortinas semi-fechadas, o néon apagado, o abafamento, o suor, o cheiro do seu homem. Espreguiçou tristeza.

Uma réstia de sol revelava, ao seu lado, o amassado dos lençóis vazios do corpo dele. Fora buscar o café da manhã. As margaridas cor-de-carne como era de seu gosto, pendiam murchas do vaso em frente a Santo Antônio, a quem fizera seu último pedido pelo amor que estava se esfacelando. Os chinelos perdidos, cada um em seu canto. O cinzeiro trazia ainda os cigarros que embalaram aquela noite quente.

Desarrumação. Roupas por todos os lugares, que na pressa se amontoaram ou se espalharam. Copos de cerveja vazios. Não se importava, p'ra quê? Sentia no arrepio da pele a sua ausência, pressentida em seus afagos automáticos. Aquele encontro, a paixão, e aos poucos os pequenos nãos. Sua vida estava minguando para o nada. Ele iria seguir caminhos outros, seu bafo frio revelara.

O retrato... os dois enlaçados pela cintura, sorriso nos lábios. Olhos serenos. Era ainda o tempo da inocência. Ao longe, na foto, pássaros voavam para destino certo. E o meu, balbuciou? Seus lábios tremeram desgraça. Vinda muito antes, cedo demais. Tinha certeza. Entrou. Banheiro apertado e escuro. Passou água embaixo dos braços e se banhou. Passou o batom, arredondando a boca carnuda, e os lábios se fecharam com sensualidade e solaparam o ar, ploc. Colocou automaticamente a colônia barata. O perfume se espalhou, ameaçando esconder o cheiro de cera, suor misturado ao café da véspera.

Então, esperou pelos movimentos dele: chegou ao bar... os pães quentes e o café... o troco... a caminhada de retorno, a subida das escadas... a chave... Voltaria? - ficou indecisa, olhando a porta, que em sua imobilidade assemelhou-se ao tempo. Suspiro.

Lá fora o rebuliço, as buzinas, o novo dia. A rotina. Aquela mania dele... passou o dorso da mão com raiva na lágrima teimosa... apanhou a bolsa surrada, apalpou o dinheiro amarrotado, e sacudindo os cabelos espalhados em cachos levantou a cabeça e saiu. Nos lábios, o gosto doce do último beijo.

 
 

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